quinta-feira, 31 de julho de 2008

Capítulo 31

Capítulo 31

Finalmente, quinze dias depois, tudo estava pronto, Vicente perdera os cálculos, mas o rascunho que estava de posse de Joaquim o orientou. Rapidamente fez algumas projeções e mesmo sem a precisão que esperavam anteriormente, decidiram que não havia mais o que fazer. Combinaram esperar o tempo melhorar, estava chovendo muito e não havia mais pressa.
Foram apenas dois dias de espera e logo o céu parecia ansioso para ver o que aconteceria, o sol se manifestou favorável e as noites eram estreladas. No dia combinado, Agamenon vestiu o terno quer usava quando voltava pra casa, pegou sua maleta de mão, deu um grande beijo em Heloisa. Com os olhos cheios de lagrimas, ele falou ao ouvido da moça.
- Venha comigo! Sei que caberá nos dois na esfera.
- Não posso...! – Ela falava entre soluços – Você sabe o que tem passado, suas angustias, seus medos, esse mundo o incomoda. Para mim, seria ainda pior, estaria completamente na sua dependência.
- Podemos encontrar a felicidade...
- Já encontramos, mas suas razões o impedem de continuar nela! Se eu fosse com você, o mundo estranho seria para mim, não teria nada além de você. Com o tempo, o sufocaria e me sentiria prisioneira. Um dia, poderia cobrar de você as minhas ansiedades, saudades e frustrações.
- Então! Pelo menos me acompanhe até o momento final.
- Seria masoquismo. Prefiro guardar você aqui dentro de mim. Ter no meu coração a ilusão que voltaremos a nos encontrar. Se estivesse presente quando você desaparecer de uma vez por todas, acho que morreria. Prefiro continuar vivendo.
Eles se beijam mais uma vez por alguns segundos, ela delicadamente o empurra para fora do quarto e quando fecha a porta, se joga na cama, pega o lençol e o travesseiro onde ele deitara a cabeça, cheira, beija enfiando o rosto entre as mãos tentando conter as lágrimas silenciosas que brotam em abundancia dos seus olhos.
Vacilante e meio atordoado, Agamenon desceu para a recepção onde Joaquim já o aguardava. Despediu-se de Fausto saindo com o Advogado que o conduzia lentamente, segurando-o pelo braço, fazendo dele um cego que não sabe o caminho. Na porta viu Andrade que acenava ao lado de uma caminhonete.
- Bom dia doutor! Eles me convenceram a dar uma ajuda! Consegui essa caminhonete lá na delegacia. Vão na frente, não sei o caminho.
Agamenon entrou no carro de Joaquim com a sensação de quem vai para a câmera de gás ou cadeira elétrica. Assim que deram partida, ele se voltou para contemplar a imagem do hotel que aos poucos desaparecia entre outros prédios.
Ao chegarem no local onde deveriam instalar os acumuladores, não perderam tempo, Joaquim, Agamenon e Andrade, não encontraram muita dificuldade para descarregar o material, Vicente que estava encolhido no assento do carro de Joaquim, saltou com preguiça olhando os últimos detalhes de suas anotações numa prancheta. Aproximou-se dos acumuladores, com uma chave de fenda, fez uns ajustes.
- Ainda bem que estamos longe dos olhares curiosos! – disse Joaquim com ar pensativo olhando em volta.
- Só falta testar a carga! – Disse Vicente com ar de triunfo.
- Pega esse aparelho ai junto do carro. – Gritou Joaquim para Andrade que estava fumando junto da caminhonete.
Agamenon observava tudo com ar desconsolado, As duvidas em sua cabeça ainda eram intensas. Seu coração pedia para desistir de tudo e ficar com a paixão de Heloisa, sua razão o empurrava de volta ao seu tempo. Quando o chamaram para entrar na esfera, ele quase não consegue sair do lugar. Vicente se aproximou.
- Só depende de você! Os riscos que corre são por sua conta. Se quiser continuar, estamos prontos.
- Vamos lá! – disse de maneira decidida Agamenon que suspirou profundamente antes de entrar e se acomodar na esfera.
Mais uma vez, todos apertaram sua mão se despedindo e quando Andrade que fora o ultimo ia se afastando e Joaquim fechava a esfera, Vicente fez um sinal com a mão e gritou com a voz tremida de emoção.
- Não esqueça, tem de sair da esfera logo. Tem dois minutos!
Agamenon sorriu acanhado acenando um adeus, Joaquim fechou a esfera. Vicente respirou profundamente, acendeu um cigarro e disse olhando para os outros.
- Também nós, só vamos ter dois minutos para nos afastarmos da área de ação do campo magnético.
Ele se abaixou e começou a girar os interruptores dos acumuladores e quando viu que estava no ponto, apertou um botão vermelho em uma caixa ao lado, se afastando rapidamente para onde os outros estavam. Em poucos segundos, pequenos raios pareciam se cruzar sobre os acumuladores que trepidavam. Os olhos de todos pareciam grudados na esfera, aos poucos uma grande onda de luz partiu dos bornes dos equipamentos em direção ao ponto onde estava Agamenon.
Diante de todos, a esfera desapareceu por algum tempo, Vicente segurava o peito arfando com o cigarro preso nos lábios, Joaquim com os olhos arregalados cuspia para o lado o tempo inteiro e Andrade se deixou cair sentado no chão com a boca aberta.
Durante os poucos minutos de espera, todos sentiam que parecia uma eternidade até que a esfera começou a se materializar novamente no mesmo local de onde desaparecera. Eles se olharam apreensivos e Andrade perguntou com ansiedade.
- Ele foi?
Vicente deu de ombros, Joaquim sorriu olhando para os lados, faz uma expressão de duvida para Andrade que se apressa em aproximar-se. Vicente, com a cabeça, indica a esfera. Arregalando os olhos, dá de ombros se encaminhando lentamente em direção a esfera como quem tem medo do que vai encontrar.
Todos sabiam que não seria possível garantir qualquer coisa, no entanto a decisão havia sido de Agamenon, a sorte estava lançada.
FIM 01 - Se quiser, continue lendo, amanhã poderá ter um outro final.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Capítulo 30

Capítulo 30

Pela manhã, antes mesmo de Agamenon ter acordado, Joaquim estava no hotel para buscá-lo, queria ir até a casa de Vicente. Na portaria, Fausto ainda com cara de sono começava a arrumar a portaria quando viu o cunhado entrar esbaforido.
- Bom dia Fausto!
- Bom dia! O que faz aqui tão cedo?
- Não viu na televisão?
- Estava ocupado e não vi TV ontem.
- O laboratório de Vicente pegou fogo!
- Ele...?
- Graças aos senhores da providencia, não se queimou nem nada. – Fazendo uma expressão de duvida, acrescentou sorrindo - Não foi dessa vez que aquele velho maluco virou churrasco, quase morre do coração.
- Deixe de brincadeira com uma coisa assim! – Disse Fausto com indignação.
- Ligue pro quarto de Agamenon, preciso dele com urgência!
Assim que o medico chegou, Joaquim o arrastou para a rua e partiu com o carro na direção da casa de Vicente. Agamenon quando saltou do carro, viu Vicente sentado numa cadeira de balanço na varanda da casa, estava envolto numa manta bebendo café numa caneca grande. Quando Joaquim se aproximou, Agamenon comentou.
- Parece que o mundo acabou pra ele!
Joaquim deu de ombros, segurou o médico pelo braço e o conduziu para encontrar o amigo que sorriu ao vê-los, levantando-se lentamente, depois de colocar a caneca sobre uma mesa ao lado. Ao abraçar Agamenon, ele chorou.
- Não sei..., está tudo acabado!
- O que é isso? – perguntou Joaquim com ar de duvida – Você tem o melhor computador do mundo, sua cabeça.
- Os riscos são grandes! – Disse Vicente olhando para o médico com ar de quem se desculpa.
- Tenho aquele rascunho que me deu pra conferir e acho que ele vai servir. – Joaquim retirou do bolso o papel que recebera de Vicente.
- Nem tudo estava ali! Não será dessa vez que provarei minha teoria.
- Antes de acreditar que o mundo acabou, vamos ver o que podemos fazer! – Exclamou Joaquim olhando com firmeza para o amigo.
- Sei que me resta pouco tempo. Estou velho! – Vicente falava com o olhar no chão – Não faço questão de gloria, apenas queria ver minha teoria comprovada, era a razão da minha vida.
- Então! Vamos tentar? – Disse Agamenon sem muita certeza do que estava falando.
- Agamenon, você pode..., nem sei! Se errar um ângulo, me enganar na distancia... Você pode chegar antes de ter sumido, vai ser uma confusão que nem consigo imaginar. Dois ocupando o mesmo lugar, ou... Não posso antecipar os resultados funestos, não os imagino de verdade, não os conheço.
Agamenon viu a face de Vicente preocupada, olhou para Joaquim em busca de socorro.
- Joaquim...!
- Vicente! Se ele está disposto a correr os riscos, vamos tentar! Pra você, a importância de tudo isso é a satisfação de dormir todos os dias sabendo que estava certo o tempo inteiro, pra mim é a curiosidade e pra Agamenon, a esperança de retomar sua vida normal.
- Acho melhor pensar um pouco, ter cautela! – Vicente falou com um tremor na voz que quase o engasgou.
Vendo que todos estavam se envolvendo com seu problema, cada um por seus motivos, Agamenon não podia deixar de ser agradecido por tudo que estavam fazendo, havia em seu coração o sentimento de divida, obrigação em continuar. Percebia que Vicente estava se entregando ao desanimo, abraçou Joaquim estendendo a mão para o Físico.
- Eu me arrisco! – disse o médico com firmeza, embora lembrasse ainda da conversa que tivera com Fausto sobre aquela experiência maluca.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Capítulo 29

Capítulo 29

No final da tarde, chegaram ao hotel. Heloisa ainda muito calada ficou na recepção olhando em volta como quem não sabe para onde ir. O rapaz que trabalhava pela noite estava por trás do balcão. Agamenon pediu a chave do seu quarto e quando recebeu perguntou curioso.
- Fausto...?
- No quarto dele! – disse o rapaz com ar sonolento.
Heloisa deu um longo suspiro, segurou a mão de Agamenon e o arrastou apressada para subir as escadas. O rapaz olhou o casal com um sorriso malicioso.
Heloisa completamente despida foi acordada com o ruído do telefone do quarto, olhou para o lado vendo Agamenon, também despido se mexia com preguiça. Estendeu o braço pegando o fone.
- Alô!...O quê...? Está certo tio!
- Quem foi? – Perguntou o médico ainda sonolento.
- Tio Joaquim parecia agoniado, mandou ligar a televisão no noticiário do canal seis. – Pegando o controle remoto sobre a mesa ao lado da cama, a moça ligou a televisão.
Agamenon se recostou na cabeceira da cama com os olhos grudados no vídeo que mostrava uma casa em chamas e os bombeiros tentando apagar o fogo. Ao reconhecer o local ele sacudiu a cabeça de um lado para o outro como quem não acredita no que está diante dos olhos.
- O galpão de Vicente! – murmurou entre os dentes.
- Vamos ligar de volta pra tio Joaquim?
- Vamos!
A moça pegou o telefone e fez a ligação, assim que atenderam do outro lado da linha ela passou o fone para ele que foi logo perguntando.
- O galpão de Vicente pegou fogo?
- Mas ele está bem! – disse Joaquim do outro lado da linha. – Adormeceu fumando e o cigarro caiu no cesto de lixo onde havíamos jogado as estopas sujas de lubrificante.
- Ele está ferido?
- Não. Acordou bem a tempo. Saiu correndo para chamar os bombeiros, seu coração quase o mata novamente e foi Lucia quem telefonou. Depois ele mesmo nos conta os detalhes. Ainda bem que os acumuladores estavam na garagem, só perdemos os cálculos e a esfera.
Desligando o aparelho, Agamenon olhou para o teto do quarto com o olhar perdido. Heloisa deitou sobre suas pernas e ele acariciou seus cabelos.
- Vamos esquecer essa coisa toda, pelo menos por hoje? – Perguntou Heloisa, angustiada.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Capítulo 28

Capítulo 28

Ao retornar para o hotel, Agamenon senta na recepção com esperança de ver Heloisa, seu coração palpita toda vez que uma mulher passa pela porta ou o telefone toca. Enquanto espera, lê os jornais e revistas que estão a disposição dos hospedes. Pouco depois de nove e meia, Fausto olha para ele com curiosidade e o médico aproveita a deixa.
- Heloisa...?
- Se tiver esperança dela aparecer, esqueça!
Desanimado, ele sobe para o quarto, toma um banho, senta em frente da televisão desligada e fica pensativo diante da sua imagem refletida no vídeo.
“Acho que ela tem razão! Não posso machucar uma pessoa que entrou na minha vida e me encantou. Por outro lado, preciso voltar para meu tempo real, isso aqui é estranho, não consigo me sentir em casa. Claro que existe a possibilidade de tudo dar errado, posso até morrer. Também poderia ficar, começar tudo novamente, freqüentar a universidade algum tempo, me atualizar. Isso tudo é pesadelo, preciso acordar, sentir pela manhã o cheiro de café saindo do coador, no fim da tarde o sino da igreja anunciando a hora da missa... Não sei, estou muito confuso!”.
Sabendo que não vai conseguir dormir de tanta ansiedade e excitação, pega na maleta o frasco de remédio para dormir, toma mais um comprimido, troca de roupa, deita na cama, liga a televisão.
Durante o resto da semana, ele e Joaquim se ocupavam em preparar tudo que precisavam para a sua volta no tempo enquanto Vicente, ainda muito debilitado, dava instruções e se ocupava dos cálculos diante do computador. De acordo com o projeto feito pelo Físico, cortaram uma janela de mais ou menos uns cinqüenta centímetros e instalaram um suporte isolado com borracha que servia de pé ao sinalizador. O médico experimentou para ver se cabia na bola, com relativo conforto Todos riram muito com a dificuldade que ele encontrou para sair. Joaquim sempre muito espirituoso não perdeu a oportunidade.
- Treina direitinho, caso contrário, vai virar bola de jogo de futebol.
Toda a operação já estava preste a ser concluída, quando Vicente lembrou que deveriam lubrificar os contatos dos acumuladores. Com muito esforço devido ao peso do equipamento, Joaquim e Agamenon, começaram a desmontar a cobertura que protegia o acumulador. Como o espaço era muito apertado, resolveram que ficariam mais confortáveis na garagem.
- Não dá pra carregar. Vamos colocar ali! – Disse Agamenon apontando para um carrinho de mão.
Depois de muito sacrifício, conseguiram levar os dois acumuladores para a garagem onde trabalharam o restante do dia lixando contatos elétricos, borrifando lubrificantes e apertando parafusos. Pouco antes das cinco e meia da tarde, Joaquim olhou para o relógio e exclamou com expressão de preocupação.
- Vamos embora! Amanhã terminamos.
- Vou tomar um banho!
- Não dá tempo, combinei com Clara que iríamos ao concerto da Sinfônica. Toma banho no hotel!
Sem perder mais tempo, cobriram os equipamentos com uma lona, pegaram pedaços de estopas para limpar as mãos e foram se despedir de Vicente que trabalhava freneticamente nos cálculos diante do computador.
- Vamos indo! – Gritou Joaquim, da porta do galpão.
- Venham cá! Não vai demorar. Tenho Feito exaustivamente esse calculo e não combina. – disse Vicente acenando para os dois chamando para se aproximarem. Quando eles chegaram, ele olhou com ar de cansaço para Joaquim - Vou imprimir uma cópia e você dá uma olhada, amanhã terá tempo de sobra, não vamos trabalhar, Lucia disse que vai fazer uma faxina.
Sem perder tempo, imprimiu uma cópia do que queria e entregou para Joaquim que ainda estava com o pedaço de estopa na mão. Vicente estendeu a mão tomando-a de sua mão, jogou displicente num cesto de lixo que estava cheio de papeis amassados e pontas de cigarro. Agamenon acabou de limpar suas mãos, jogando a sua estopa no mesmo cesto de lixo e juntos saíram do galpão. Na porta, Vicente deu uma tapinha no ombro do médico.
- Vamos descansar amanhã e logo depois faremos a ultima simulação e só faltará determinar o dia exato da experiência final. Será seu grande... não! Nosso grande dia! Ainda vou fazer umas anotações e depois vou descansar. Desapareçam!
No caminho de volta pra casa, Joaquim parecia preocupado. Ligou o rádio do carro abriu e fechou os vidros varias vezes, parecia realmente inquieto e despertou a atenção do médico que perguntou curioso.
- Algum problema?
- Vários! Primeiro preciso pensar como vamos transportar o equipamento, depois, encontrar alguém de confiança para nos ajudar. Só nós dois, não vamos conseguir fazer tudo.
- Se me ocorrer alguma idéia, telefono!
- Também estou preocupado com Vicente!
- Está cansado e ainda não se recuperou totalmente!
- Isso mesmo! Já o peguei dormindo na cadeira duas vezes.
- Isso é natural! Os remédios provocam sonolência.
- Espero que realmente, descanse amanhã!
Agamenon se assusta quando ouve um telefone tocar. Olha para os lados sem entender muito bem de onde vem o ruído. Joaquim retira do bolso um pequeno aparelho e atende.
- Sei...Estamos indo!
Desligando o aparelho, Joaquim acelera o carro. Agamenon vê a expressão angustiada do advogado e pergunta.
- Alguma coisa errada?
- Minha irmã... Ela morreu! Fausto acabou de ligar do hospital.
O enterro foi no dia seguinte pela manhã. Uma chuva fina caia como se o céu chorasse junto com Joaquim, Fausto e Heloisa que se abraçavam a todo instante sob guarda-chuvas negros e grandes. Acabando o sepultamento, Agamenon se aproximou de Heloisa, estava com muita saudade da moça e sentia uma dor no fundo do coração a cada olhada dela em sua direção.
Não foi necessário dizer qualquer coisa, ele se atirou em seus braços soluçando. Ele a abraçou com carinho sentindo seus olhos fraquejarem com lagrimas que suavemente escorriam pela face. Inesperadamente, Fausto se aproximou dos dois e com a voz embargada por um choro contido, disse em tom de súplica para o médico.
- Leve ela daqui! Pelo amor de Deus, leve ela com você para algum lugar longe daqui.
Joaquim se aproximou abraçando Fausto e em seguida olhou para Agamenon com um sorriso triste na face.
- Vá andar pela praia. Deixe o barulho do mar esconder o choro dessa menina!
Sem perder tempo, Agamenon segurou a mão de Heloisa e a puxou pra o lado de fora do cemitério fazendo sinal para um táxi. Ele não sabia ao certo para onde ir, mas olhou o motorista que aguardava o endereço.
- Para uma praia perto..., onde seja possível caminhar muito!
Durante o percurso, Heloisa se encolheu no peito do médico que acariciou seus cabelos sentindo uma angustio imensa e sem saber o que dizer. O motorista estacionou a beira mar. O médico pagou a corrida e saltou com Heloisa que parecia alheia ao local onde estava. O mar estava calmo, a chuva havia cessado mais o tempo muito nublado, escondia o sol.
Os dois retiram os sapatos e caminharam de mãos dadas em silencio por um bom tempo pela praia deserta. Demonstrando cansaço, Heloisa jogou os sapatos no chão sentando-se com o olhar perdido no horizonte. Agamenon não ousou interromper os pensamentos dela, sentou-se ao seu lado se perdendo em seus pensamentos conflitantes. Queria ir embora, retomar seu verdadeiro mundo, ao mesmo tempo, seu coração lhe dizia pra ficar com aquela que lhe acendeu uma fogueira no peito.
Quase meia hora depois, Heloisa deu uma gargalhada nervosa, se jogou novamente nos braços do médico que a envolveu carinhosamente.
- Vamos voltar! Preciso de você e do seu carinho. Não vou sofrer mais, apenas viver. A morte me mostrou que tenho de viver intensamente o que me resta. Se você vai embora, o que vivemos juntos vai ficar. Minha mãe foi embora, mais meu amor por ela, ficou comigo.
- Primeiro vamos almoçar. Vi um restaurante logo ali! – Agamenon apontou para o local por onde haviam passado alguns minutos antes.
A moça deu de ombros e se deixou acariciar mais um pouco. Ele levantou-se sacudindo a areia dos fundilhos, estendeu a mão para ela e juntos voltaram caminhando abraçados pela beira da praia, vez por outra tendo os pés lambidos por uma onda mais afoita.

domingo, 27 de julho de 2008

Capítulo 27

Capítulo 27

Durante o resto do dia, a chuva caiu sobre a cidade e só amenizou pela madrugada. Agamenon com insônia andava no quarto de um lado para o outro olhando o relógio com ansiedade. Cansado, depois das três horas da manhã, sentou-se na poltrona ao lado da janela e se deixou contemplar o céu escuro e ouvir o ruído da chuva no vidro da janela. Adormeceu sem notar.
Em sua mente começou a se formar imagens soltas, ele se viu de volta a faculdade, todos os colegas jovens pareciam gargalhar dele, o apontavam, e cochichavam com expressões maliciosas. Repentinamente, via Dora despedida correndo no meio da rua ao encontro de seu irmão Arquimedes que a beijava ao encontrá-la.
Um enterro estranho, onde as pessoas carregavam o caixão na cabeça, passava pelos dois e vinha em sua direção. A tampa do ataúde se abria e Hermes com cara de menino pulava pra fora e saia para o lado, correndo, apontando em sua direção. Um carro passava veloz o jogando para o alto, ele flutuava subindo muito e quando começou a cair ouviu seu nome sendo dito com carinho algumas vezes. Viu o roso de Heloisa ao seu lado se desmanchando, ela parecia sofrer. Acordou dando um pulo da poltrona se batendo de encontro à parede.
Não conseguiu mais se tranqüilizar seu coração batia muito acelerado. Assim que amanheceu, tomou um banho demorado e desceu até a rua para esperar Joaquim, na passagem pela portaria, olhou para Fausto que fez um sinal negativo com a cabeça. Ainda chovia, ele recostou-se na porta olhando a rua que começava a ter algum movimento. Quando viu o carro do advogado, teve um sobressalto se engasgando, tossiu um pouco procurando respirar profundamente.
Assim que Agamenon entrou e apertou sua mão, Joaquim, foi logo pegando um envelope contendo algumas folhas de papel, que estava sobre o assento do carro, entregando para o médico.
- Pronto, já é um homem vivo novamente! O desgraçado queria pedir teste de DNA.
- Teste de DNA?
- Me esqueci que na sua época, isso era uma fantasia. Hoje se faz com a maior facilidade. Pega um pedaço de você e outro de um filho, pai ou mãe e... pronto. O laboratório entrega o resultado em pouco mais de vinte dias. Mas não será necessário se preocupar com isso. A sentença deverá ser publicada no Diário Oficial, na próxima semana.
Enquanto dirigia, Joaquim se divertia vendo a expressão do médico lendo a sentença que parecia queimar em suas mãos. Quando finalmente Agamenon guardou os papeis de volta no envelope ele explicou o que significava aquela sentença.
- O juiz dá parecer sobre o processo, faz os comentários. Daí por diante, o processo é concluído quando chega a publicação do Tribunal fazendo o reconhecimento na sentença final. De posse dessa publicação, você pode requerer junto aos órgãos que lhe forem convenientes a sua integração. No seu caso, se fosse ficar por aqui, seria o documento que o habilitaria perante o conselho de medicina.
- Tanto tempo perdido! Exclama o médico olhando o envelope em suas mãos.
- Nada disso! O tempo não se perde, nós é que podemos perdê-lo. Nesse caso, foi para mim, uma questão de satisfação.
- Tenho que pagar...
- Conversamos depois sobre isso!
- Preciso ler alguma coisa sobre o teste de DNA!
- Acho melhor esquecer!
Agamenon maneia a cabeça com ar de duvida. Os dois permanecem calados até a chegada ao sitio de Vicente que os recebe na varanda com ar um pouco abatido. Depois de confirmar que se sente bem, pega uma maleta e entra no carro. Prosseguem a viajem conversando sobre os detalhes da medição. Enquanto a chuva começa a cessar lentamente.

sábado, 26 de julho de 2008

Capítulo 26

Capítulo 26

Assim que Agamenon e Joaquim chegam na casa de Vicente vão logo para o quarto dele. O físico deitado na cama lendo um jornal se volta ao ouvir o ruído dos passos na porta, ao ver o amigo com ar preocupado é o médico carregando a maleta, sorri com ar debochado.
- Estou ótimo! O doutor não tem licença pra clinicar.
- Sei, mas Agamenon vai verificar primeiro.
- Deixe comigo Joaquim, esse homem é duro na queda! – Agamenon retira da maleta o tensiometro e o estetoscópio sentando lado do enfermo.
Depois de verificar a pressão e oscultar Vicente, o médico sorri chamando Joaquim para perto da cama com um aceno de mão.
- Vicente! Nós decidimos que vamos ajudá-lo, se ficar trabalhando da maneira como está, vai morrer como um passarinho.
- Não posso morrer antes de ter certeza de que minha teoria...
- Vai ter certeza, mas para isso, precisa se cuidar. – Interrompe Joaquim – Se estiver bem, podemos marcar para amanhã, iremos até o local, onde juntos, faremos as medições de ângulo.
- Por mim, tudo bem... Sinto-me recuperado. Lucia não me deixa fumar mais do que uns dois ou três cigarros e dormir muito. – Vicente fala com excitação.
- O perigo não é isso, o maior problema é essa sua excitação. – O médico fala enquanto guarda suas coisas na maleta.
A empregada entra trazendo uma jarra de suco de manga e três copos. Coloca sobre uma mesa ao lado da cama saindo arrastando os chinelos com o rosto contrariado. Quando chega na porta se volta.
- Doutor, não deixe ele sair da cama!
- Fique tranqüila, só levanta amanhã!
A velha acena se despedindo saindo do quarto. Joaquim levanta e vai servir o suco, enquanto enche os copos, pergunta para Vicente.
- Você acha mesmo que vamos conseguir?
- Não tenho mais duvidas! Minha preocupação está apenas relacionada com a maneira que farei a divulgação do caso. Vai ser complicado, nem sei se valerá a pena. É a teoria da minha vida!
- Os cálculos estão todos prontos?
- Fiz uma planilha e também todas as verificações simuladas. O computador tem uma boa memória, sem ele não sou nada.
Agamenon fica com ar pensativo ouvindo o que os amigos comentam e quando Vicente fala em computador, ele sorri malicioso e fala por entre os dentes.
- No meu tempo, nem imaginava a existência do computador.
- O que...? – pergunta Vicente que não havia entendido.
- Hoje em dia, o computador é peça fundamental em quase tudo. Onde chego, ele se faz presente, acho que nem pra varrer a rua ele é dispensado. O que estava pensando aqui comigo, é que no meu tempo, vivia-se muito bem sem nada disso. Pelo menos parecia que ia tudo bem!
- Vá esquecendo de tudo isso, meu caro! – disse Joaquim com ar de desdém. – Quando voltar pra casa, não terá computador e ainda por cima, nem deve comentar sobre ele.
- Vai ter que viver como se não fosse possível ter visto o amanhã! – Completou Vicente tossindo.
- Não esqueça! Amanhã voltamos e juntos, iremos até o local das medições, se estiver se sentindo bem. Não faça esforços desnecessários, atenda a ordem médica de ficar quieto ai na cama! – Exclamou Joaquim com uma acentuação exagerada na voz.
Já na estrada, de volta para a cidade. Joaquim perguntou para Agamenon que parecia triste.
- Desanimou?
- Não é isso. Tenho pensado muito em Heloisa...
- Vai ser uma perda violenta. Mas se quer mesmo retomar sua vida, essa é a sua oportunidade de tentar. Só seu coração saberá o que deve fazer, não conte com a cabeça.
- Tenho perdido tanto nos últimos dias que me sinto como quem volta derrotado de uma guerra.
- Por falar em guerra, hoje pego a sentença com aquele idiota do Carmelo!
- Já nem sei se vai valer a pena!
- De qualquer maneira, pra mim é uma batalha e quero sair vitorioso.
Quando chegaram na frente do hotel, uma chuva forte começa a cair e o médico se despede do advogado que segura sua mão.
- Está tremendo? – Pergunta Joaquim com tom irônico.
- Deve ser fome! – responde o médico com insegurança na voz.
- Já é quase meio dia, vamos almoçar?
- Pode ser!
Joaquim dá partida novamente no carro e avança com cuidado pelas ruas cheias de água e pessoas atravessando de um lado para o outro tentando se abrigar. O rosto de Agamenon permanece contraído olhando a chuva cair, suas mãos apertam as pernas, que tremem a cada relâmpago e trovão.
Ao entrar no hotel, olha a portaria sem esperança de encontrar o rosto sorridente de Heloisa. O porteiro lhe dá a chave do quarto bem na hora que Fausto sai do seu apartamento.
- Um minutinho, Doutor! – Pede Fausto se apressando.
- Claro! – Agamenon sorri desanimado.
- Podemos sentar um pouco? – Ele segura o braço do médico que consente com um gesto de cabeça. – Precisamos conversar seriamente.
- O senhor me assusta! – Agamenon olha em volta. - Alguma coisa com Heloisa?
- Pode ser! – Fausto respira fundo. – Peço que perdoe esse pai angustiado...
- Não precisa pedir desculpas!
- Sou muito discreto, mas não agüentei... – Fausto se aproxima do médico. – Confia nesse tal de Vicente?
- É a única pessoa que me oferece uma oportunidade de consertar minha vida!
- E se piorar?
- O que quer dizer?
- Se você morrer nessa tentativa, se não voltar para seu tempo e sim cair em outro, coisas assim!
- Preciso correr o risco! – Disse Agamenon pensativo.
- Você é um egoísta! – Fausto levanta e vai para a portaria.
Agamenon sabe que Fausto está coberto de razão. Suspira sentindo que as palavras lhe cortaram o coração. De cabeça baixa, vai para seu quarto.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Capítulo 25

Capítulo 25

Heloisa salta do táxi, em frente do prédio onde Norma morava. Um edifício alto com vinte andares, numa rua um pouco distante do centro, cheia de outros prédios altos e de movimento pequeno. A moça Olha para o alto do prédio, suspira melancólica, se encaminha até a portaria passando pelo portão com decisão e acenando para o porteiro que já a conhecia.
Depois que Norma fechou a porta, as duas se abraçaram em silencio por algum tempo. Heloisa olhou por cima do ombro da amiga a sala daquele apartamento decorado com luxo e cheio de vasos de plantas pendurados nas paredes e nos cantos. As duas sentaram num grande sofá forrado de couro, Norma colocou a mão sobre as da amiga que pareciam se contorcer uma dentro da outra.
- Tenha alma! – Norma falou em voz baixa e suave. – Você tem toda razão, e seu coração não pode ficar sofrendo.
- Não é só o coração, minha alma está sofrendo!
- Segura o homem pelo braço, olha fundo no olho e cobra!
- Cobrar? Não tenho nada pra cobrar, me dei pelo impulso do amor que nem mesmo eu sabia que era tão grande. Não tenho nada pra cobrar dele, ele nada me prometeu, apenas me deixou ama-lo, me deu muito afeto, carinho e... quem sabe, até amor!
- Você o conhece tem pouco tempo!
- Isso não é engraçado! Parece que o conheço desde que me entendo por gente! - ela funga. - Tem horas, que não acredito ter vivido sem ele!
- Isso é paixão!
- Não tenho a menor duvida! Preciso encontrar forças dentro de mim para sobreviver a sua falta.
- Vai conseguir! Você é forte, inteligente, já viveu experiências, bem mais trágicas.
- No entanto, estou no meu limite! A paixão que sinto por ele é muito forte. Nunca amei antes! Descobrir isso quando me apaixonei por um quase desconhecido que se diz Agamenon, o que senti das outras vezes, não se compara ao que sinto agora.
- Você amava seu marido?
A pergunta fez com que Heloisa ficasse pensativa. Ela levantou-se, caminhou de um lado para o outro, passou a mão nas folhas de uma planta e se voltou para a amiga repentinamente.
- Naquela época era... diferente! Eu muito jovem, sem experiência acreditava que era amor o que sentia. Não posso negar que gostava muito de Bruno, mas só agora posso dizer que sinto amor. Amadureci com a vida, aprendi e me fechar e escolher os meus caminhos, mas Agamenon me seduziu desde a primeira vez que meus olhos caíram sobre ele. Foi como uma doença que se pega no ar. Fiquei doente no primeiro contato. Vou sobreviver, mas não sei se as seqüelas vão me inutilizar para o resto da vida.
- Você fez o alfabeto ao contrário. As letras se sucederam inversamente. Seu coração também. Primeiro gostou da letra B e agora amou a letra A!
- Norma! O que vou fazer da vida sem Agamenon?
- O mesmo que fazia antes de conhecê-lo!
- Não será a mesma coisa!
- Então vá lá, tenta segurar o homem.
- Será impossível! O que me resta, é ficar longe!
- Tem medo de fraquejar?
- Muito medo! Sei que não vou resistir, sinto desejos ardentes de suas caricias, sua boca e sonho com suas palavras delicadas ao meu ouvido, assim que me deparar com esse homem, vou ceder. Me entrego aos seus encantos. Se tenho de sofrer, prefiro começar logo e só volto pra casa depois dele partir.
Norma deu de ombros tentando sorrir para a amiga. Heloisa voltou para o sofá, sentou-se lentamente e deitou a cabeça no colo da amiga que acariciou seus cabelos com ar de duvida e apreensão.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Capítulo 24

Capítulo 24

Assim que amanhece, Heloisa arruma algumas roupas numa pequena maleta e vai para cozinha onde seu pai está bebendo café. Os dois se olham com carinho, ela acaricia a cabeça dele sentando ao lado.
- Então posso mesmo?
- Vai querida! Fica uma semana, talvez as coisas se resolvam até lá.
- E a portaria?
- Eu resolvo isso! Se houver algum problema..., ligo. Diga para Norma que mandei um beijo.
Antes das sete horas, Heloisa saiu do hotel fazendo sinal para um táxi que passava. Antes de entrar no carro, dá uma olhada para a fachada do prédio, suspira melancólica, joga a maleta no assento dá outro suspiro diz para o motorista que espera a passageira se acomodar.
- Rua Victor de Pádua!
O carro parte bem na hora que Agamenon chega apressado na porta do hotel. Vendo que ela foi embora, entra, vai até o balcão onde Fausto, de cara fechada o encara.
- Bom dia! Heloisa...?
- Deixa a menina em paz!
O médico abaixa os olhos e caminha inseguro até uma das poltronas, se deixa desabar, coloca a mão sobre os olhos apoiando o cotovelo no joelho. Do balcão Fausto observa a desolação do outro durante um bom tempo. Dando um suspiro resignado, dá a volta sentando-se ao lado de Agamenon.
- Me entenda...! Sou pai! Minha filha está sofrendo muito, mas você tomou uma decisão que lhe pareceu justa. Não pretendo interferir, ela é adulta e deve se cuidar. Só quero dizer, que estou tentando me manter neutro e antes de qualquer coisa, não esqueça, gosto muito de Heloisa. Não posso permitir que seja mais uma vez massacrada pela vida. Talvez seja mais fácil pra vocês dois, o afastamento.
- Não sei se vou conseguir sobreviver, mas sei que tenho de consertar o que ficou pra traz!
- Imagino que a duvida esteja corroendo seus pensamentos.
- Pode apostar nisso!
- Não entendi muito bem tudo que ela me contou sobre você. A história é muito estranha, no entanto, sou um homem simples, mas não sou burro. Sei que viver num mundo sem qualquer referencia, se torna angustiante.
- Aqui não sou nada!
- Antes, era um médico respeitado, se ocupava e vivia uma vida que parecia ajustada, não é assim?
- Pelo menos pensava que sim!
- Só seu coração será capaz de dizer se agüenta a dor ou a alegria! Decidir, não coisa fácil.
Nesse momento, entra Joaquim, apressado, com uma expressão de curiosidade ao ver os dois conversando. Agamenon havia combinado que iria com o advogado até a casa de Vicente naquela manhã, haviam decidido ajudar já que sozinho, seria impossível para o físico fazer tudo que era necessário. Fazendo um gracejo, o advogado estende a mão para Fausto.
- Marcou consulta?
- Como vai Joaquim? – O dono do hotel estende a mão para o outro com expressão constrangida.
- Eu estou uma maravilha. Mas tenho que entrar no consultório, marquei minha consulta primeiro. Vamos indo Agamenon?
- Leve a vida mais seriamente Joaquim. A pobre da Clara deve penar com você! – disse Fausto mais descontraído.
O médico levanta lentamente e sai junto com Joaquim que da porta acena para Fausto ainda sentado na poltrona com um jornal na mão que havia pegado na mesa ao lado. Já no carro, Agamenon se volta para Joaquim que dá partida.
- Vocês dois ...! Parece que Fausto não gosta muito de você!
- Gosta! Ele tem magoa. Quando a mulher dele, minha irmã ficou doente, eu estava viajando e mandei uma carta dizendo que naquele momento não poderia voltar. Ele ficou com essa coisa na cabeça, acha que não me preocupei com ela.
- Cada um sabe seus motivos...
- Sabe como ele conheceu minha irmã?
- Não!
- Ele e o tio gerenciavam o hotel. Naquela época, eu era bem jovem, meu escritório bem pertinho. Sempre que podia almoçava no restaurante deles, a comida era muito boa. Um dia trouxe meu pai minha mãe e minha irmã para um almoço. Os dois se olharam e pronto! Amor a primeira vista.
Joaquim parecia lembrar com saudade o momento, sorriu para si mesmo e fico em silencio durante o restante do caminho. Os pensamentos do médico se perderam junto com seu olhar, no horizonte.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Capítulo 23

Capítulo 23

Chegando no quarto, Agamenon, pega sua maleta de mão, retira o estetoscópio, e o tensiometro. Joga sobre a cama, senta ao lado e fica olhando com o pensamento distante. Seus sonhos e lembranças reais começam a se confundir.
“Ela tem razão, não tenho certeza que poderei fazer algo pra ser feliz. Se voltar, pra casa, não vou mais viver como antes depois de tudo que já sei, depois da traição de Dora, de Arquimedes. Minha profissão está realmente ameaçada, não estarei satisfeito com os equipamentos nem com os procedimentos, talvez, retornar seja minha ruína, mas por outro lado, aqui, me sinto vazio, sem uma direção”.
Sentindo muito cansaço, deita na cama de bruços, deixa as lágrimas rolarem livres pela face. Dando um pulo repentino, pega na maleta um frasco, abre, retira um comprimido, fica com ele na mão por algum tempo olhando para o teto e o engole.
Depois de dormir horas seguidas sob o efeito do remédio, Agamenon acorda suando muito e ainda completamente vestido. Olhando o relógio, confere a hora, ainda muito cedo para sair, levanta com lentidão e começa a se despir indo diretamente para o banheiro.
Enquanto toma banho reflete com cuidado tudo que está acontecendo. Voltar ao seu tempo original significará perder a mulher dos seus sonhos. Aquela que invadiu sua alma lhe oferecendo a primeira experiência real de amor. Sabia que nem tudo podia ser tão fácil como pensava, a sua decisão seria definitiva.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Capítulo 22

Capítulo 22

No dia seguinte, Heloisa parecia uma louca de preocupação. Andava na recepção de um lado para o outro e seu pai tentava acalma-la.
- Vai ver dormiu e não quer falar com ninguém.
- Tem algo errado, preciso saber. Você mesmo disse que Andrade o pegou para ver o filho.
- Foi! Vai ver, não era quem ele procurava e o homem ficou decepcionado.
- Ora...! Ele é um homem prático. Tem quase vinte e quatro horas, trancado, sem comer nem dar sinal de vida. Vou lá...
- Não vai não!
Sem esperar por uma permissão do pai, ela pegou numa gaveta a chave mestra e subiu quase correndo as escadas. Ela estava completamente transtornada, na sua mente só conseguia imaginar que Agamenon havia morrido.
Nervosa e tremendo muito, Heloisa enfiou com dificuldade a chave na fechadura e abriu a porta. O quarto estava no escuro e viu o médico sentado no chão com a cabeça entre os joelhos ao lado da porta do banheiro. O quarto estava com o cheiro desagradável de suor e medo. Ela correu para ele e viu que chorava aos prantos, o abraçou e ele se entregou como se fosse uma criança abandonada.
Com muito carinho, ela sentia culpa por tê-lo abandonado tanto tempo. Sentou-se ao seu lado, o puxou para o colo e deixou suas lagrimas se misturar com as dele. Quase duas horas depois ele balbuciou algo que ela não entendeu e em seguida, foi levantando lentamente do colo de Heloisa. Com o olhar grudado no chão e as mãos se espremendo uma contra a outra, ele contou a conversa que tivera com Luiz.
- Estou em frangalhos! Sinto-me traído, enganado, por Dora, Arquimedes e Luiz. No entanto, acho que não são culpados de qualquer coisa. Fui um idiota, sempre vaidoso e cego, não via um palmo além do nariz. Meus sentimentos se confundem, entre dor, ódio e culpa. O pior é que senti minha alma fugir, mesmo quando ele me disse que estava doente, sem cura, com um vírus novo, não sentia mais nada. Meu coração se recusou a sofrer.
- A vida é assim mesmo! Cada momento que vem pode ser uma surpresa. Você tem a mim e prometo que não vai se arrepender de ficar no meu coração. Chore e sofra sem medo, depois tudo vai clareando e desaparece nas curvas do viver.
- Me beija, me acaricie, estou perdido em mim mesmo, solto no vento que me arrasta para idéias absurdas.
Com carinho ela segura o rosto de Agamenon, beija seus lábios suavemente acariciando os cabelos grudados de suor. Mesmo acariciado e beijado, um sentimento de vingança parece estabelecido na mente do médico.
Heloisa só conseguiu fazer o médico sair do quarto, três dias depois. Enquanto isso levava comida, lia jornais e fazia carinho. Andrade soube do que acontecera e veio visitar o amigo, no entanto voltou sem ser recebido. Havia muita dor, vergonha e raiva em Agamenon. No primeiro dia depois do seu retiro de angustias, foi com a moça até a casa de Joaquim. Embora não estivesse com interesse em mais nada, a possibilidade de voltar no tempo e vingar suas dores lhe parecia algo animador, não havia comentado esse sentimento com Heloisa, mas ela percebeu manteve-se calada por acreditar que poderia se enganar.
Na cabeça do médico, havia surgido repentinamente vontade de esbofetear o irmão que lhe traíra, expulsar a mulher que o enganara e dar um novo rumo a sua vida. Por outro lado, a duvida também o consumia, perguntava a si mesmo se valeria a pena deixar tudo que estava conquistando, com sacrifício, nos últimos dias.
O amor de Heloisa lhe parecia sincero, aos poucos seus problemas começavam a se desmanchar, era só questão de mais algum tempo e talvez, até poderia voltar a ser um médico de verdade.
Assim que chegaram na casa do tio da moça, foram recebidos na porta com muita alegria pelo Advogado que estava vestido como quem pretendia sair.
- Ótimo que chegaram, Vicente está nos esperando, vamos até a casa dele.
Sem ao menos permitir que o casal entrasse, ele saiu batendo a porta. Puxou os dois de volta até o elevador que ainda estava no andar. Entraram e ele apertou o botão com a letra G.
- Vou pegar o carro! A casa de Vicente fica fora da cidade.
Assim que saíram das ruas movimentadas, pegaram uma estrada estreita e em poucos minutos Joaquim estacionava ao lado de uma casa dentro de um sitio. Agamenon observou que mais distante da casa havia um pequeno galpão feito com paredes de madeira e telhado de um material que não conhecia. Uma mulher apareceu com uma vassoura na mão.
- Doutor Joaquim!
- Como vai Lucia?
- Vou bem!
- Onde está Vicente?
- No galpão! – a mulher apontou com a cabeça.
- Obrigado Lúcia! No dia que Vicente morrer, quero que vá trabalhar lá em casa.
- Sem se tratar, acho que não vai demorar muito! Tem fumado mais do que nunca e agora, vive enfurnado no laboratório.
Joaquim acenou sorrindo para a mulher, puxou o casal, segurando um em cada braço, em direção ao galpão. Assim que entraram, o médico viu Vicente sentado diante de uma mesa com um computador, junto de umas caixas mais à frente. A sua volta, havia pedaços de invenções por todo lado, maquinas que pareciam danificadas, amontoadas umas sobre as outras.
O homem estava entretido e nem percebeu a chegada dos visitantes até que Joaquim o tocou no ombro, ele deu um pulo da cadeira com expressão de susto no rosto, que aos poucos se desfez para um grande sorriso. Depois de se cumprimentarem, ele puxou Agamenon pelo braço e falou com ansiedade.
- Olha! Os cálculos me comprovaram teoricamente que estou certo. Já tenho até o material necessário para substituir o carro. – Ele apontou para o fundo do galpão onde havia uma grande bola pintada de cor laranja. – Um sinalizador de linha de transmissão de energia. – Vendo que todos se entreolhavam com desconfiança ele continua explicando. – Sei que é pequeno, mas O doutor não é muito grande, faço uma janela para ventilar.
- Já sabe quanto tempo vai demorar para a transposição? – Perguntou Joaquim como se estivesse bem inteirado da experiência.
- Não mandei o sinalizador, o equipamento antigo, não suportaria. Mandei uma caneta e demorou cerca de dois minutos para ela voltar. Isso quer dizer, que ele vai ter de sair nesse tempo do sinalizador, caso contrário, volta pra onde partiu.
Vicente acende um cigarro, dá uma grande baforada e se desequilibra levando a mão ao peito. Vendo que ele não está bem, Agamenon se precipita em sua direção a tempo de sustentar o corpo frágil do físico que começa a tombar para o lado. Com muito cuidado, ele deita Vicente no chão examinando suas pupilas e em seguida, tomando seu pulso.
- Ele está enfartado!
- Foi agora? – perguntou Joaquim assustado.
- Já devia estar antes e não se cuidou. – disse Agamenon olhando em volta. – Vamos levá-lo para casa, precisa repousar e de medicação certa.
- Tenho... remédios... no meu quarto. – fala Vicente com dificuldade como quem tem a língua grossa na boca.
Ainda no carro, Joaquim ao volante olha para Agamenon ao seu lado e depois para Heloisa no banco de traz, Começa a falar se cala e logo ultrapassaram o portão da casa de Vicente, pergunta de maneira insegura.
- Ele vai ficar bem?
- Vai! Pelo menos por enquanto, mas da maneira como se cuida, não demora muito pra morrer.- responde Agamenon com ar pensativo.
- Lucia tem razão, ele não demora pra morrer! – suspira Joaquim.- Ele é meu melhor amigo!
O restante do trajeto até a cidade, eles permaneceram calados. Quando chegaram na frente ao hotel, Joaquim estacionou o carro e saltou junto com o casal.
- Onde podemos beber uma cerveja aqui por perto?
- Vai beber, Tio...? – Perguntou Heloisa com preocupado.
- Já sou velho! Como diz Vicente, tanto faz mais um ano, um mês ou um dia. O importante agora é ter o que resta de prazer. Vou me deliciar com uma cerveja... sim!
Heloisa dá de ombros e se encaminha para entrar no hotel com uma expressão aborrecida. Agamenon segura sua mão.
- Não vai junto?
- Querem se embriagar, tudo bem! Tenho mais o que fazer.
A moça se solta do médico que fica olhando ela entrar e depois sai com Joaquim que parece preocupado. A moça passa pelo pai e entra em casa chutando a poltrona ao lado da porta.
- Merda! Ele quer voltar pra mulher, e me largar aqui. Não tenho sorte na vida! Mas se pensa que vou desistir se engana. Ainda vou mostrar que sou melhor..., Será que sou mesmo? Será que tenho esse direito?
A moça se atira no sofá de bruços deixando um soluço a dominar. Poucos minutos depois, Fausto entra preocupado com a filha que passou por ele feito um relâmpago quando entrou. Vendo a filha chorando, ele senta ao seu lado acariciando seus cabelos.
- O que foi que aconteceu, minha filha?
- Nada, nada...
- Sei que não tenho nada com sua vida, no entanto, sou pai...
- Desculpe, pai, estou angustiada.
- Com o quê?
- Agamenon quer voltar para sua vidinha anterior.
- Não se desespere com isso! Vocês se conhecem bem pouco e...
- Pai! Vou morrer de tanta tristeza! Mereço ser feliz, tudo dá errado, sempre dá errado.

A moça se abraça ao pai e chora aos prantos sendo acariciada com ternura por um bom tempo, depois ele se solta alegando que a portaria está vazia e sai do apartamento, mas antes de fechar a porta dá uma ultima olhada em Heloisa que voltou a se deitar no sofá aos prantos.
Heloisa havia adormecido no sofá depois de chorar muito. Acorda no meio da tarde com uma mão acariciando seu rosto, se volta lentamente e vê diante dela Agamenon com uma expressão angustiada. Uma raiva interior se apodera dela que levanta de um pulo e começa a bater no peito dele com as duas mãos fechadas, voltando a chorar.
- Volta pra junto de seu passado! Me deixe em paz....
- Calma, estou aqui e...
- Você não está aqui. Seu pensamento é tão claro que parece um filme. Só pensa em voltar, em satisfazer sua vaidade, se vingar de quem lhe traiu.
- Não é o sentimento de vingança que me move para o possível retorno ao meu tempo. Aqui, me sinto deslocado, tenho lido os avanços da medicina, substituição de órgãos, corações de quem morreu dando vida a quem já não tem esperanças...
- -Se acredita que vai conseguir viver novamente como antes, é um completo idiota.
- Olhe pra mim e me diga o que sou hoje? Eu lhe respondo! Hoje, não passo de um simples curioso na medicina, Teria que me recompor totalmente, estudar muito, começar quase do nada. Os tempos mudaram. A evolução foi rápida demais, não andei ao lado dela, saltei por cima. Sobrevivo na incerteza, sou infeliz sem rumo, antes, era um médico respeitado e poderia avançar com os conhecimentos de maneira significativa, agora, voltaria a ser apenas um estudante.
- Vai continuar sem ser feliz. Não terá mais a família que imagina ter, não terá a profissão que tanto gosta... Os equipamentos estarão como sempre estiveram, se tentar fazer o que pensa, passará por louco, ninguém vai acreditar que esteve no futuro.
- Não será bem assim!
- Vai ser pior! Se ao voltar no tempo, sua mente esquecesse o que viu, o que viveu nesses últimos dias, seria feliz. Mas ao que parece, não esquecerá nada e não poderá compartilhar suas experiências. Logo, vai sentir saudade de muita coisa, vai se arrepender e não terá como corrigir.
- Se ficasse, a única coisa boa que teria, seria você!
- Saia da minha frente, agora...- A moça o empurra até a porta – Não me faça sofrer mais, seja gentil e não me procure mais.
No lado de fora, Agamenon encostou a cabeça na porta que Heloisa bateu com força. Fausto do balcão olhava para ele de maneira critica, como quem está prestes a tomar o partido da filha. Abre a boca pra falar, resolve não se meter e se volta para o escaninho de correspondência. O telefone toca, ele atende, o médico sobe as escadas sentindo cansaço a cada degrau.
Heloisa dentro de casa fica andando de um lado para o outro, como fera dentro de jaula. Depois de alguns minutos, pega o telefone e faz uma ligação.
- Alô...! Norma?

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Capítulo 21

Capítulo 21

Pouco depois do meio dia, eles chegam num restaurante que fica no alto de uma colina, um pouco afastado da cidade de onde podem apreciar uma linda paisagem. Um grande mar muito azul em um dia de muito sol.
- Nem parece que choveu tanto, ontem à noite! – diz Heloisa pensativa.
- Depois de tudo que me aconteceu, sinto medo de trovoadas.
- Já notei!
- Esse lugar é muito bonito!
- Estive aqui, quando meu marido ainda era vivo. Estava grávida e me sentia a mulher mais feliz do mundo. Mal sabia que um ano depois iria perder tudo. Agora, estou com você, me sinto novamente a mulher mais feliz do mundo, não vou agüentar perder novamente.
- Olha lá...!- Agamenon aponta para o mar – Ele vai e volta, mas nunca deixa de ser o mar. O amor pode ser eterno, basta que seja forte o suficiente para vencer os limites do tempo.
- Certo! Você volta, sobrevive até os cem anos, me encontra e se despede para morrer. Seria surpreendente! – Heloisa fala com ironia.
Ele percebe que o assunto é delicado e não deve dar corda. Chama o garçom e pedem a comida, logo depois ele começa a falar do filme que assistiram na noite anterior.
- Você gostou do filme de ontem?
- Achei fraco. O cara é de fazer muita careta. – Heloisa responde desanimada.
- A situação realmente é engraçada.
- No entanto, pouco provável.
Heloisa não faz questão de esconder seu mau humor durante o almoço. Quando estão saindo do restaurante e vão atravessar uma rua para pegar o ônibus, um carro passa por eles e Agamenon estanca repentinamente, fica paralisado.
- O que foi? – pergunta Heloisa com espanto.
- Luiz! Tenho certeza que era ele naquele carro. Estava envelhecido, mas era ele. Senti algo estranho quando passou.
- Olhou a placa?
- Não! Nem lembrei.
Assim que retornam para o hotel, Heloisa muito aborrecida, dá um beijo rápido em Agamenon e vai para casa, alegando que tem de substituir o pai na recepção. Durante dois dias a moça parecia querer fugir do médico que já não sabe como acalmar o coração da namorada.
No sábado, Pouco depois de acordar, antes mesmo de escovar os dentes, ouve o telefone do quarto tocar, olha para o relógio, já passavam das oito horas. Da portaria, Fausto avisa que Andrade está esperando para falar com ele.
Depois de se trocar, Agamenon desce para falar com o policial que ao vê-lo, sorri. Ele com o braço na tipóia, faz questão de apontar o peito e fazer sinal de positivo e sem esperar o médico se aproximar muito, foi logo dizendo.
- Vamos! Sei onde achar seu filho.
Os dois saíram entrando no carro que estava sendo dirigido pelo mesmo policial que viera buscar Agamenon para visitar Andrade. O coração do médico parecia querer saltar pela boca de tanta excitação enquanto Andrade explicava como haviam localizado Luiz.
- Ele verificou mais uma vez e não teve duvida, o nome do homem que foi assaltado na porta de casa, era o mesmo que eu procurava, fui lá ontem e ele mesmo me disse que conhecia Dr. Agamenon. Fui bastante discreto e não adiantei nada.
Depois de rodarem por varias ruas de bairros que Agamenon não conhecia, estacionaram em frente de uma casa grande com um muro alto e dois portões largos de madeira. A rua era tranqüila, só havia casas, não se via crianças nem animais, apenas carros parados nas portas das casas. Muito nervoso, o médico saltou do carro meio atrapalhado enquanto Andrade tocava a sirena.
Depois de alguns minutos de espera, uma parte do portão se abriu aparecendo uma mocinha de uns vinte anos, negra com um lenço na cabeça.
- Podem entrar. O doutor Luiz está na varanda.
A mocinha indicou com a mão estendida na direção onde o patrão esperava os policiais ainda sem saber da surpresa que o aguardava. Agamenon olhou na direção da varanda e viu um homem sentado junto de uma mesa de ferro com um jornal na frente do rosto. Andrade se antecipou.
- Bom dia Doutor Luiz!
O homem abaixou o jornal retirando em seguida os óculos meia lua que usava para ler. Para surpresa de Agamenon era um homem de estatura pequena, um pouco calvo, lembrando muito seu irmão Arquimedes. Sem se conter, o médico se adiantou.
- Luiz...?
- Sou...- o homem ficou estático com os olhos grudados em Agamenon.
Durante um bom tempo o silencio era mortal, ninguém ousaria nem respirar profundamente. Ficaram se olhando, Luiz finalmente recuperou um pouco de coragem e perguntou com o olho grudado no médico.
- Quem é você?
- Agamenon Lanufo!
- Não é possível!
Andrade segurou o braço do colega e o puxou para ir embora acenando para o médico que sorriu constrangido. Assim que eles passaram do portão, Luiz desceu da varanda se aproximando de Agamenon o examinando em todos os detalhes.
- Como isso é possível?
- Uma história bem complicada e quase impossível de acreditar.
- Venha, sente aqui e me permita recuperar o fôlego enquanto me conta.
Os dois sentaram junto da mesa onde Luiz estava quando o médico chegou. Agamenon, havia percebido que o filho estava sem acreditar no que via e parecia cheio de desconfiança. Depois de contar tudo, viu o outro abaixar os olhos como quem receia alguma coisa.
- Não vai dar um abraço em seu pai?
Luiz levantou-se, abraçou Agamenon rapidamente como quem sente vergonha e logo se afastou constrangido deixando as lágrimas correrem pela face. Ambos choravam.
- Nem sei como começar! – disse Luiz muito emocionado – mas tenho que contar logo, posso não viver o suficiente para ter oportunidade no futuro de desabafar o que corroeu minha alma durante toda a vida. Não pense que eu seja um homem sem sentimentos, mas gosto muito de você para permitir enganos.
- Então conta!
- Não sei se vai aceitar ou entender, mas tenho vontade de lhe contar isso desde os seis anos de idade.
- Vamos deixar de mistério e conta logo.
- Antes vou pedir para minha empregada trazer uma bebida. Gosta de conhaque?
- Ainda é cedo...
- Garanto, vai precisar, eu... preciso agora.
Luiz gritou chamando a empregada e mandou trazer uma garrafa de conhaque e dois cálices. Depois que a garrafa estava sobre a mesa, ele bebeu um pouco, respirou profundamente.
- Aos seis anos, eu estava no meu primeiro dia de aula, você havia me levado e foi para o hospital. Minha mãe ficou de me pegar e você não estaria em casa na hora do almoço. Quando chegamos em casa, Meu tio Arquimedes estava lá, ele e minha mãe pareciam preocupados ou aborrecidos, fui tomar banho para almoçar, Hermes estava na casa de um colega, haviam combinado alguma coisa que não lembro, era coisa combinada com antecedência. Esqueci de pegar a toalha, voltei para a cozinha para pedir uma a minha mãe e foi nesse momento que minha vida se tornou um inferno.
Luiz para de falar olhando com ternura para Agamenon, enche o cálice mais uma vez e bebe de um só gole. Agamenon sentindo a cabeça estourar de ansiedade, bebe um pouco do conhaque.
- Pois bem! Assim que cheguei na porta da cozinha, ouvi meu tio e minha mãe brigando. Ele queria que ela fosse com ele para a casa dele na capital, garantia que resolvia tudo com você. Minha mãe se negava dizendo que não queria ser apontada na rua como uma vagabunda. Ele insistia e finalmente disse o que eu não gostaria de ter ouvido. “Não vamos esconder nosso amor! Quero criar meu filho, Luiz já está grande e Agamenon, tem Hermes”. Corri chorando de volta para o banheiro me sentindo um nada. Só peço perdão a você por não ter contado antes, talvez eu estivesse protegendo minha mãe.
Não foi necessário mais nada, Agamenon encheu três vezes o cálice de conhaque sem dizer uma só palavra, o peito ardia, um fogo tomava sua face e um arrepio percorria seu corpo. Luiz apenas abaixou os olhos e chorou.
Agamenon ainda confuso, levantou-se lentamente, estendeu a mão para Luiz que apertou e o puxou num longo abraço. Assim que Luiz o soltou Agamenon sem saber o que fazer, olhou para os lados sentindo o peito vazio.
- Estou viajando para o exterior na semana que vem. Vou fazer um tratamento, estou com pouco tempo de vida. Sou homossexual e contrai uma doença que na sua época não existia.
- Muito obrigado! Boa sorte, filho!
Apressado e envergonhado com tudo que ouvira, Agamenon sai da casa de Luiz vendo o mundo inteiro desabar na sua cabeça. Apóia-se num poste de iluminação, sente ânsia de vomito, respira fundo e se controla. Sem saber ao certo qual o caminho de volta para o hotel, vagou com o olhar perdido um bom tempo por aquelas ruas estranhas até que viu um táxi, fez sinal.
Agamenon entrou no hotel com o olhar vidrado, corpo duro e sem expressão na face. As pernas se moviam o levanto, pegou a chave do quarto, subiu a escada lentamente, se trancou no quarto. Como se estivesse em câmera lenta, pegou sua maleta de mão, abriu e ficou olhando para dentro um bom tempo. Finalmente retirou um frasco, abriu, separou dois comprimidos, engoliu seco deitando atravessado na cama.

domingo, 20 de julho de 2008

Capítulo 20

Capítulo 20

Logo cedo, os dois já estavam prontos. Saíram apressados do hotel para irem até a casa de Joaquim. Agamenon queria pegar um táxi, mas Heloisa o convenceu a irem de ônibus.
- É mais barato e não estamos com pressa!
- Não sei andar de ônibus!
- Vá se acostumando!
Chegaram na casa do advogado pouco depois das oito horas e foram recebidos na porta por ele que ainda de pijama, bebia café com leite numa caneca.
- Entrem! Estou esperando um amigo que gostaria muito de conversar com você, Agamenon. Ele é professor de física nuclear e um velho companheiro de invenções malucas. Não deve demorar!
Heloisa olhou em volta e perguntou com ar de intimidade.
- Tia Clara?
- Ainda dormindo! Ela só acorda depois das nove.
O casal sentou-se enquanto Joaquim foi para a cozinha. A sirena tocou e lá de dentro Joaquim gritou para Heloisa.
- Querida! Abra a porta, por favor.
Assim que ela atendeu ao pedido do tio, deu de cara com um homem muito magro, barba grande e cabelos muito alvos e grandes amarrados na nunca em rabo de cavalo. Ele parecia muito tímido e ficou parado com o olhar assustado. Finalmente depois de engolir seco umas duas vezes suspirou e falou com uma voz rouca.
- Joaquim?
- Está na cozinha! Pode entrar. Sou Heloisa, sobrinha. – Ela estendeu a mão.
- Sou Vicente!
- Sente-se! Titio não vai demorar. Esse aqui...- ela apontou para Agamenon – é Doutor Agamenon.
- Muito prazer! – Joaquim me disse que o encontraria aqui. – Os olhos do homem pareciam percorrer todo o corço do médico com profundo interesse.
- Não sabia o motivo dessa reunião!
- Fiquei muito interessado na sua história. Tenho algumas teorias...
- Vejo que já se apresentaram! – Disse Joaquim saindo da cozinha. – Vou trocar de roupa e não demoro.
Todos ficaram sentados em silencio, Agamenon e Heloisa admirando a paisagem numa das janelas e Vicente que pegara uma revista, acendia um cigarro no outro como quem está ansioso. Não demorou muito até a volta de Joaquim que trazia uma pasta nas mãos. Depois que sentou abriu a pasta e retirou alguns papeis, pareciam copias de reportagens antigas. Heloisa puxou Agamenon pela mão para junto do tio, sentaram atentos cheios de curiosidade.
- Depois que conversamos ontem, fui até a biblioteca e consultei os jornais da época de seu desaparecimento e encontrei coisas interessantes. – Ele entregou uma folha de papel para Agamenon que leu com atenção.
“Médico desaparece misteriosamente na estrada próximo da cidade onde morava. Seu carro foi encontrado com o capô e as portas abertas. Ele estava voltando da capital e ao que parece com pertences valiosos. A policia não descarta a possibilidade de um assalto muito embora não houvesse sinais de violência e continua a investigação”.

A reportagem prossegue, Agamenon fica olhando para o recorte de jornal onde aparece a fotografia de seu carro no local onde tudo acontecera. O restante da noticia, fala da preocupação dos parentes e o depoimento da sua mulher que dizia não entender o que havia acontecido. Vendo que a surpresa estava estampada na face de Agamenon, Joaquim retoma a conversa.
- Quando falei para Vicente o que havia acontecido, ele me disse que já havia experimentado teoricamente uma onda temporal.
- Deixe explicar melhor! – Disse Vicente, timidamente – Trabalhei nos anos cinqüenta, logo depois de me formar, numa empresa que experimentava formas de energia para consumo industrial. Uma delas se baseava no principio de acumulação. – O Físico, começa a tossir muito enquanto acende mais um cigarro - Foi um fracasso, quando comecei eles já estavam desistindo, não conseguiam aproveitar a energia contida na natureza durante a expansão de raios. Eu me interessei pelo assunto por curiosidade, e um dos físicos que trabalhava com isso, me disse que os resultados foram medíocres. No entanto, ele havia notado que em uma determinada experimentação em 1951, haviam produzido uma grande onda de energia e que durante alguns segundo, lhe havia parecido que os acumuladores haviam desaparecido diante dos seus olhos, mas logo estavam de volta. O laboratório...- O homem abaixa a voz e olha para os lados como quem tem receio de ser escutado por pessoas fora da sala -, é próximo do local onde você estava e a data... a mesma.
- Então, eu posso ter sido atingido por essa... onda de energia?
- Exatamente! Se não saltasse do carro, teria retornado e nunca saberia o que lhe acontecera de verdade. O carro funcionou como um receptor de ondas, que poderia ser substituído por um ovo metálico, uma bola ou qualquer coisa com formato especifico para transformar as particularidades do fluxo magnético. No entanto, isso é apenas uma teoria.
- Parece lógico o raciocínio! – Agamenon falou pensativo - Mas existem algumas informações colhidas Por Frederico Alvim...
- Sei...- interrompeu Vicente.- Já li Grandes Anomalias! Todos os casos foram exatamente na época em que o laboratório pesquisava e havia uma outra empresa que estava no mesmo caminho em outro local. Essa experiência me empolgou de tal forma, que mesmo depois da empresa abandonar o assunto, mantive meu interesse. Construí um protótipo dos condensadores e fiz algumas alterações. Nunca experimentei! Acho que não gostaria que o assunto se tornasse publico, só aceitei voltar a ele, por insistência de Joaquim.
- Isso pode tentar explicar o que me aconteceu, mas em que vai me ajudar? – Perguntou Agamenon um pouco excitado.
- Antes de mais nada, queria lhe convidar para ir comigo até o local. Vou preparar meu equipamento e dentro de alguns dias podemos combinar. Quem sabe podemos reverter o processo. Meu equipamento é pequeno e tenho de encontrar um substituto para o carro. Tem que ser algo bem menor.
Heloisa olha assustada para Vicente, abre a boca para falar, mas se cala, segura a mão de Agamenon com força demonstrando insegurança. Ele olha para a moça antes de responder com a voz tremendo.
- Está certo!
Ao saírem da casa de Joaquim, os dois resolvem passear um pouco e vão caminhar no Zoológico que havia perto. No inicio da caminhada, permaneceram em silencio, pensativos e só depois que passaram da jaula das cobras Heloisa arrisca um comentário.
- Não estou gostando dessa história que o tal Vicente... está inventando!
- Também não estou seguro! Mas por outro lado, fico curioso, gostaria de saber pelo menos o que me aconteceu e a teoria dele me parece lógica.
- Mas você não vai querer voltar para...
- Não pense nisso, pelo menos agora. Ele não falou que pode me mandar de volta, disse que tem apenas um protótipo e geralmente... isso é pouco.
- Não quero lhe perder!
Agamenon olha para a moça que está com os olhos cheios de lagrimas, ele passa os dedos tentando enxugar. Ela o abraça e o beija com paixão. Quando eles voltam a caminhar, ela pergunta com ar de duvida.
- Você gostaria de voltar ao tempo em que vivia com sua mulher?
- Não...! Não gostaria de voltar para Dora. No entanto, vivo pensando na minha profissão, nas outras coisas que ficaram para traz.
- Acho que seria muito estranho retornar. Depois que se vive outras coisas, acredito que nunca mais seremos os mesmos.
- Concordo plenamente. Para onde quer que eu vá, levo você comigo.
- Nem sempre vai ser possível!
- Não vamos nos preocupar com isso, pelo menos, agora!
- Vamos almoçar.Conheço um lugar maravilhoso!
- Com você, tudo fica maravilhoso, até uma lanchonete.
- Me engana que gosto!
- Acho que estou apaixonado, só não afirmo, por uma razão simples. Nunca experimentei de fato essa sensação.
- Não torne as coisas mais complicadas para mim. Vamos viver sem promessas enquanto for maravilhoso e possível.
Maneando a cabeça, ele abraça a moça com carinho continuando a andar pelo zoológico olhando as jaulas e crianças correndo de um lado para o outro.

sábado, 19 de julho de 2008

Capítulo 19

Capitulo 19

No hospital onde o policial estava internado, o movimento era muito grande na entrada de emergência. Agamenon acostumado, apenas olha para os lados avaliando as mudanças que ocorreram desde a ultima vez que estivera no local. A sua frente, caminhando em passos largo, o outro policial que fora busca-lo, caminha sem dar atenção para nada a sua volta, estancando repentinamente, mostra apontando pra ele uma porta.
- Segundo andar, quase em frente da escada, uma enfermaria.
Antes de Agamenon dizer qualquer coisa, o homem se afasta seguindo em outra direção. Agamenon dá de ombros, abre a porta e vê uma escada larga, sobe lentamente sem pressa até o andar indicado, entra na enfermaria procurando com os olhos o leito de Andrade entre as dez camas ocupadas. Uma enfermeira muito magra, negra com os cabelos trançados aparecendo por baixo da toca, se aproxima com expressão de surpresa.
- O senhor deseja alguma coisa?
- O homem daquele ultimo leito, o policial Andrade me chamou.
A mulher se volta para o paciente que Agamenon aponta e vê que ele acena com impaciência, chamando o amigo. O médico se adianta sem dar mais importância para a enfermeira que o acompanha desconfiada, assim que se aproximam, Andrade faz um gesto com a mão indicando para ela sair.
- Pode ir, esse foi o médico que salvou minha vida!
Assim que a enfermeira se afasta, Agamenon puxa uma cadeira que está aos pés da cama e senta ao lado do policial sorridente. Aproximando-se mais do enfermo, o médico fala lentamente coma voz pausada.
- Parece que em breve, vai levantar da cama!
- Quero lhe agradecer pelo que fez.
- Não fiz nada que um médico qualquer...
- Sei...Sei...! O que importa é a sua situação. Sabia que não deveria se arriscar a praticar medicina sem ter seu problema resolvido e mesmo assim, não pensou duas vezes.
- Se fico sem agir, você morria antes do socorro chegar.
- Não se preocupe. O delegado me prometeu limpar seu rastro. O médico que chegou naquela noite junto com a ambulância, é amigo do homem, não vai colocar nada no relatório e o inquérito na delegacia não vai citar nada além do ocorrido antes e depois. Haverá um espaço em branco.
- Eu agradeço...
- Já disse! Quem tem que agradecer, sou eu! Mas chamei você aqui, para falar outra coisa bem diferente. Ontem, um amigo meu, do quinto distrito, localizou um empresário que tem o mesmo nome de seu filho. Vou ter certeza disso e lhe digo depois, mas posso adiantar que o homem está de viajem com a família, parece que vai embora da cidade, do país..., não sei direito.
- Como o seu amigo...?
- Parece que houve um assalto na casa dele, e esse amigo comentou comigo hoje cedo. Foi ele lhe trouxe até aqui!
- Sei...!
- Estou na cama, mas continuo atento. Vou me empenhar para ajudá-lo.
- O importante é que não faça besteira, não levante antes da hora...
- O médico que me atendeu, disse que seu trabalho foi bem feito e no máximo até o fim de semana vou ter alta.
- Se precisar de alguma coisa...!
- Sei que posso contar com o senhor. Pode me considerar um amigo.
- Obrigado!
- Falou com o juiz?
- Chedim se aposentou e o processo está com um tal de Carmelo!
- Carmelo Mellin?
- Esse mesmo!
- Nada bom! Esse é um dos juizes mais idiotas que já conheci. Se deixar solto ele vai encrencar. Arrume um bom advogado...
- Já fiz isso. O juiz mesmo me aconselhou.
- Não disse! Ele é retrogrado. Podia ler o laudo do processo e dar um parecer favorável, mas tenho certeza que fará tudo para aparecer.
- Não gostei dele!
- Não se assuste, assim que sair daqui, converso com seu advogado. Me diga quem é.
- Joaquim Feitosa!
- Um louco, mas muito competente.
- Vou indo!
- Gostei muito da visita. Não podia mandar um recado dizendo essas coisas que contei.
- Foi bom ter vindo!
Agamenon levanta-se sem pressa, estende a mão para o policial que sorrir aceitando o cumprimento. Naquele momento, entra uma outra enfermeira baixinha e muito dentuça, carregando uma bandeja com medicamentos. O médico se afasta acenando enquanto se caminha para o corredor.
Rapidamente, o médico alcança a rua ficando um pouco aturdido com o movimento a sua volta. Seus pensamentos parecem se chocarem uns contra os outros. Nesses últimos dias, sua cabeça estava acumulando informações que nunca imaginara precisar. Não havia entendido muito bem, a urgência de Andrade em falar com ele já que não possuía uma noticia completa para lhe oferecer. De qualquer maneira, sentiu que poderia contar com a ajuda dele e isso, significava um bom caminho para trilhar.
O policial que o levara até o hospital estava parado quase na saída do portão e vendo o médico, veio até ele se desculpando.
- O senhor me desculpe, sou assim mesmo. Venha vou levá-lo de volta para o hotel.
Assim que entrou no hotel, foi logo abordado por Heloisa que parecia preocupada. A moça saiu de trás do balcão e o abraçou com ansiedade.
- Algum problema?
- Não! Andrade parece que tem noticias mais seguras do paradeiro de Luiz.
- Tio Joaquim telefonou. Disse que gostaria que de nos ver na casa dele amanhã bem cedo!
- Está certo! Vou tomar um banho e me deitar um pouco, estou com muita dor de cabeça.
- Quer uma aspirina?
- Não! Acho que preciso dormir! Minhas idéias parecem pesadas para serem sustentadas, me sinto confuso e... ansioso.
- Vá dormir, mas tarde passo lá e lhe acordo com um chá bem quentinho.
Dando um beijo suave nos lábios da moça, Agamenon sobe as escadas sentindo o corpo dolorido. Entrando no quarto, tira as roupas e vai para o banheiro com o olhar sonolento, perdido no vazio.
Pouco depois das seis e meia da noite, o médico acorda assustado com o pesadelo que acabara de ter. Ainda sentado na cama olhando em volta o quarto escuro, ouve baterem na porta e pouco depois a voz de Heloisa.
- Agamenon, já acordou...? Posso entrar?
- Pode! – fala o médico com a voz rouca, levanta-se lentamente e abre a porta.
- O que foi? Ta com uma cara muito ruim!
- Um sonho...
- Pesadelo?
- Horrível, me deixou muito mal.
A moça oferece a xícara de chá que tem nas mãos para ele que bebe um pouco e se engasga. Ela bate nas suas costas e os dois se olham. Se abraçam com carinho e sentam na cama.
- Quer me contar o pesadelo?
- Deixe terminar o chá.
- Isso! Beba sem pressa.
Assim que acaba de beber o chá, ele coloca a xícara sobre a mesa ao lado da cama e se volta para Heloisa.
- Era muito real, eu via novamente a onda de luz que me transportou ou sei lá o quê... Era como viver novamente aquele instante. Eu caia num lugar estranho, vazio e só ouvia vozes familiares que não podia reconhecer, mas sabia que conhecia, me acusavam de ser cego. Em alguns momentos era Dora que me perguntava se eu já havia esquecido dela, e outras vezes eram meus filhos que gargalhavam e Luiz me apontava com desdém.
- Foi só um sonho! Mas você deve pensar que agora, tem muitos problemas para resolver e não adianta se criticar. Não vai voltar, sua realidade é essa aqui, tente apenas viver o que lhe acontece.
A moça se levanta e puxa o médico pela mão que obediente deixa-se conduzir até o banheiro.
- Vá tomar um banho e vamos ao cinema. Distrair um pouco!
- Está bem! – ele entra no banheiro.
- Vou escolher uma roupa para você. Posso?
- Pode!
Ela ouve o ruído da água do chuveiro, sorri com ar preocupado, se volta para o guarda-roupa abre e fica olhando indecisa para as roupas penduradas. Escolhe uma camisa e uma calça, coloca sobre a cama, pega cuecas e meias nas gavetas. Joga sobre a cama, vai até o banheiro e da porta, dá uma olhada maliciosa para dentro sem entrar.
Os dois saem do hotel e ela segura a mão de Agamenon que parece encabulado olhando para os lados. Heloisa se abraça nele com carinho.
- Ninguém vai contar pra sua mulher?
Os dois se olham, gargalham, ela volta a segurar a mão dele.
- Gosto de andar assim! Sinto-me segura dando a mão ao homem mais maravilhoso que já conheci. Quero que todo mundo veja, as outras, podem perder as esperanças, você não se perde mais de mim.
- Confesso que em alguns momentos, ainda me sinto traindo. Nunca fiz isso, mesmo no momento mais desconfortável de meu casamento.
- Acredito! Mas não vamos pensar nisso e sim, em aproveitar essa noite enquanto não chove.
Agamenon olha para o céu e vê que ele está encoberto por nuvens grossas e cinzentas com tons avermelhados. O movimento na rua lembrava um grande formigueiro, com pessoas passando apressadas a sua volta parecendo ansiosas em alcançar abrigo.
- Parece mesmo que vai chover! Acho que tem razão, vamos apressar.
- Norma me disse que talvez nos encontre lá no cinema.
- Aquela sua amiga é muito simpática.
- Se feche pra ela! O que tem de feia, tem de charmosa, é mais perigosa do que parece.
Os dois se olham e gargalham alegres. Agamenon suspira e abraça Heloisa sentindo-se muito intimo, como se a conhecesse sua vida inteira. Era uma sensação diferente, com Dora, apenas vivera, mas não a conhecia, ela se mantinha distante, ele não conseguia ficar intimo, conhecer seus segredos, partilhar suas emoções.
Andar na rua de mãos dadas com Dora, impossível, ela no máximo andava de braços dados. Confessar para ela seus medos, não seria possível e muito menos se deixar levar pelas emoções dos prazeres.
Na cama, fazia apenas o que existia de mais convencional, se deixava inerte ser possuída, não possuía, ele não conseguia explicar, mas era como se o ato do sexo, fosse obrigação. Já com Heloisa, tudo corria de maneira mais arrojada, arriscavam caricias e não havia nenhuma barreira, tudo era possível de acontecer.
Os dois encontraram Norma na porta do cinema que ao vê-los, sorriu e veio logo ao encontro com os ingressos sacudindo na mão para o alto. Depois de abraçar Heloisa e beijar o rosto de Agamenon, os puxou com pressa para dentro.
- Vamos depressa, o filme já vai começar!
Na saída do cinema, Agamenon notou que embora o filme fosse uma comédia, Norma estava triste e que havia dado uma olhada para fachada do cinema suspirando demoradamente. Caminharam em silencio até um bar próximo com cadeiras espalhadas na calçada e um pequeno palco onde uma mulher bonita, cantava acompanhada por um rapaz franzino ao violão. Depois que sentaram e Agamenon pediu ao garçom as bebidas, se voltando para a moça a sua frente.
- Norma! O que você tem?
- Ia perguntar a mesma coisa – Disse Heloisa, segurando a mão do médico sobre a mesa.
Durante alguns segundos, Norma mordeu os lábios e ficou olhando para o meio da mesa com o olhar perdido.
- Papai vai vender mesmo o cinema. Fechou negocio com a construtora para fazer um grande centro comercial. De acordo com o projeto não tem cinema, mas em outro centro comercial que estão construindo tem dois, um deles vai ser nosso. Papai não queria mais saber de cinema, mas eu entrei na briga e resolvi assumir, vou tomar conta de cinema, e quem sabe, escrever roteiros. Matriculei-me num curso de roteiristas.
- Que ótimo! – disse Heloisa de maneira casual.
- Ótimo papai ter vendido o cinema?
- Deixe de ser boba! Achei ótimo o seu curso.
- Acho que a cidade inteira resolveu matar o centro, não é mais o mesmo, parece um cemitério de recordações. – Disse de maneira triste o médico olhando a sua volta.
- Não exagera, doutor! Estou triste com a venda do cinema, mas por outro lado, esse centro comercial talvez traga uma nova vida para o lugar.
O garçom chega com as bebidas, uma cerveja para Agamenon e Heloisa e uma dose de Martine para Norma. Depois de brindarem, Norma se volta para a amiga segurando seu braço e fala com excitação.
- Fui lá... naquela vidente!
- Então?
- Ela me falou coisas estranhas. Ainda não sabia que papai havia feito negocio com o cinema, a mulher me disse o que ia acontecer.
- Não acredito nessas coisas! – disse Heloisa olhando para Agamenon com ar de duvida.
- Levei seu retrato.
Heloisa se voltou curiosa para a amiga que sorria maliciosa. Agamenon deu de ombros sacudindo a cabeça com expressão de descrente.
- Ela me disse que você vai sofrer com a decisão de alguém de quem gosta muito.
- Agamenon vai embora!
- Não sei! Mas nem tudo é ruim, disse também que no fim, você pode ser agraciada com uma surpresa muito boa. Você devia ir lá!
- Você acredita mesmo nessas coisas? - Perguntou Agamenon com desdém.
- Quem sabe, tudo é possível. Veja seu caso. Quem poderia imaginar!
- Nisso, tem razão! – Agamenon falou olhando distraído para os carros que passavam.
Durante o restante da noite a conversa mudou de assunto inúmeras vezes e quando se despediram de Norma, Heloisa estava com uma expressão de preocupação que logo foi notada pelo médico.
- Preocupada? – Indagou Agamenon.
- Mesmo não acreditando em videntes. Esse negocio de sofrer com uma decisão de quem gosto muito, me deixou pensativa.
- O que ela queria dizer com isso?
- Sei lá! – disse a moça já impaciente, abraçou Agamenon com muita força se encolhendo em busca do corpo do companheiro.
Antes de chegarem ao hotel, começou a chover muito grosso, um relâmpago cruza o céu iluminando tudo em volta, seguido de um barulho forte. Eles correm para chegarem logo em casa, mas não podem evitar que a chuva os deixe encharcados. Heloisa nota que Agamenon parecia nervoso com a trovoada e sua expressão denotava medo.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Capítulo 18

Capítulo 18

Pouco antes das dez horas, ele chega ao fórum com Heloisa que se adianta ao balcão de informações com ares decididos. Agamenon vê que o porteiro que o atendeu anteriormente não está.
- Bom dia! Quero falar com o Juiz que substitui o Doutor Honorato Chidim.
- Sua identidade!
Heloisa pega a carteira na bolsa e entrega para o porteiro que confere e faz anotações. Assim que termina pega um crachá entregando para ela.
- Sala 603 – Doutor Carmelo Mellin.
- São duas identificações, meu amigo vai comigo.
- A identidade dele.
- Ele esqueceu.
- Então...! Não pode subir.
- Tenho uma provisória! – Fala timidamente o médico apresentado a sua carteira.
O porteiro pega o papel, lê com cuidado e sorri. Anota algumas coisas no formulário que tem sobre o balcão e entrega um crachá para o médico que parece não acreditar. Os dois sobem de elevador até o sexto andar e no fim do corredor muito extenso, encontram a sala do juiz Carmelo.
Assim que entram uma mulher muito bonita de cabelos tingidos de vermelho os recebe e manda que aguardem. Meia hora depois, avisa que podem eles entrar. No gabinete encontram um homem totalmente calvo de gestos nervosos quase encoberto por pilhas de pastas de processos sobre sua mesa. Ele sem levantar os olhos do que está lendo rosna um bom dia. Sentindo-se incomodado, Agamenon fala desanimado olhando em volta.
- O senhor me desculpe, mas estamos interessados em acompanhar um processo do Juiz Honorato...
- Qual ...? – fala arrastando a voz com impaciência - Não vamos perder tempo, como pode notar, aquele velho me deixou muito trabalho.
- Declaração de vida e identificação do doutor Agamenon. – Heloisa se adianta.
O homem olha por cima da pilha de processos para Agamenon e se levanta. Só então percebem que ele e muito pequeno e magro.
- Agamenon Lanufo?
- Isso mesmo!
- O que diz que tem cem anos e é pai do memorável, Doutor Hermes Lanufo?
- Exatamente. Eu sou Agamenon Lanufo, pai de Hermes.
O homem sai de seu lugar e vem caminhando em direção ao doutor com ar de incredulidade. Coloca diante dos olhos uns óculos que tem pendurado no pescoço e solta uma gargalhada que aos poucos vai se esvaindo e torna-se uma tosse.
- Desculpe, mas a coisa toda é inacreditável. Estou com o processo na minha mão, estava lendo agora mesmo. Achei curioso, mas olhando o senhor, fico ainda mais intrigado.
- Com o que?
- Estava pronto para indeferir, daria meu parecer de impossibilidade, não marcaria nem audiência, mas olhando o seu rosto, fico curioso. O professor Hermes era muito parecido com o senhor, parecem até irmãos.
- Sou o pai!
- Sei não...!
- O que será necessário para provar que sou quem estou dizendo ser? – Pergunta Agamenon já irritado.
- Calma! Nunca houve um caso assim. Nem sei por onde começar.
- Vamos localizar meu outro filho, ele vai me reconhecer.
- Não é assim que deve funcionar. Alias, nem sei como deve funcionar um caso deste. Vou pensar no assunto e dentro de uma semana, já posso lhe dizer o que vai acontecer. Foi bom ter me procurado, estivesse ainda com Honorato, ele despacharia sem nem dar uma olhada. Acho bom contratar um advogado para continuar com o acompanhamento do processo, vai precisar.
Despedindo-se como quem tem pressa em se livrar dos dois, o Juiz Carmelo fecha a porta deixando Agamenon e Heloisa diante da Secretária de cabelos vermelhos que indica a porta de saída. Os dois caminharam pelo longo corredor em silencio, desceram pelo elevador, cada um imaginado por sua conta o resultado daquela entrevista.
Já na rua, Heloisa segurou o braço de Agamenon e disse pensativa.
- Acho que sei de um advogado para esse caso.
- Quem?
- Um amigo! Ele é velho, mas muito bom, só precisamos convencê-lo.
- Ele tem alguma coisa contra vocês?
- Não! Ele é muito estranho. Vamos na casa dele.
Decidida ela acena para um táxi que passa e puxa Agamenon pelo braço. Meia hora depois saltam diante de um prédio alto de classe media numa rua sossegada e cheia de arvores. O porteiro ao ouvir de Heloisa o nome do advogado, faz cara de nojo pegando o interfone.
No quarto andar, eles saltam procurando o apartamento 401. Eram quatro por andar, Heloisa logo tocou a sirena e uma senhora de mais ou menos uns sessenta anos, um pouco gorda de cabelos curtos e alvos, arrastando os chinelos, atende com um sorriso.
- Entre minha filha. Joaquim vai chegar logo, foi comprar pão para o almoço. Você lembra? Têm mania de comer tudo com pão. O médico proibiu, mas não tem como fazer mudar esse vício. Sentem-se...
- Tia Clara, esse é doutor Agamenon.
- Médico – disse a velha olhando para ele.
- Isso mesmo!
- Tem cara de médico! Vou pra cozinha, tenho muita coisa pra fazer.
Assim que clara saiu, Agamenon olhou em volta, estava num apartamento mobiliado com engenhos pendurados nas paredes e estantes de livros por todos os lados. Um sofá velho e desbotado forrado de verde, duas poltronas vermelhas que não combinavam. Uma janela grande com vista para uma pracinha. Pouco depois a porta se abriu entrando um homem de pouco mais de sessenta anos, cabelos cortados rentes, sobrancelhas grossas, movimentos agitados, altura mediana, um pouco gordo. Assim que viu Heloisa, abriu um grande sorriso e jogando o pacote de pão sobre uma mesa, junto da porta da cozinha, veio ao encontro da moça de braços abertos.
- Querida! Ingrata!
- Nem tanto, tio.
- Tem mais de um ano que não vem aqui em casa.
- Tem quase um ano que não vai lá em casa.
- Linda como sempre! – ele acaricia os cabelos de Heloisa e se volta com ar intrigado para Agamenon, ela se apressa em apresentá-los.
- Tio, Esse é um... amigo. Agamenon.
- Médico?
- Devo ter um letreiro pendurado no peito.
- Não, apenas tem cara de médico.
- Tia Clara disse a mesma coisa. – Atalhou Heloisa – Preciso de seus préstimos.
- Muito bem menina! O que vai ser agora?
- Acho melhor Agamenon contar tudo desde o inicio.
Um pouco constrangido, esperando que o Advogado não fosse acreditar na sua aventura, ele começa timidamente e quando termina, observa que o olhar do velho a sua frente parece perdido em alguma coisa muito distante. Depois de algum tempo silencioso, Tio Joaquim se volta novamente para o médico.
- Já sei o que fazer! Se esperar um instante, preparo uma procuração, assina e começo ainda hoje alguns contatos e antes de Carmelo se fazer de besta e promover uma nova confusão para se promover, eu consigo provar o que precisa. Quero dizer, que acredito na sua história, e é por isso que vou fazer aceitar seu caso.
Novamente os dois retomam o caminho de volta para o hotel com Heloisa, Agamenon confessa mais relaxado e sorridente, que começa a acreditar numa chance de retomar a vida. Abraça a moça e a convida para irem ao cinema depois do jantar. Ela reclama que está com fome, entram num centro comercial muito agitado, sentam numa lanchonete e fazem uma refeição rápida.
Agamenon parecia ter renascido depois de conversar com Joaquim, ele lhe oferecera um pouco de esperança em uma vida regular, muito embora soubesse que não seria fácil. Estava diante de um problema crucial, a sua profissão. O que fazer para ganhar a vida, não era comerciante, não possuía nenhum outro conhecimento além de ser médico e cuidar da saúde das pessoas, e tudo ligado a isso, precisaria de comprovação de estudos específicos, de diplomas. O dele estava perdido, ele estava num futuro que não lhe pertencia.
Antes de entrarem no hotel, são detidos por um homem alto, magro com um colete preto um boné na cabeça e uma bolsa pequena pendurada no ombro.
- Agamenon?
- Sou...!
- Andrade quer vê-lo no hospital. Está no pronto socorro.
- Mas lá não se pode...- Heloisa começa a falar contrariada e é interrompida.
- Eu levo! Comigo entra! – disse de maneira seca o homem.
- Pode ser agora? – pergunta o médico desconfiado.
- Pode. Tenho meu carro logo ali.
- Vou com você! Diz Heloisa de maneira segura.
- Não vai precisar, a senhora não pode entrar, só o doutor. Não vai demorar nem uma hora. – O homem nem espera por uma reação da moça, segura o médico pelo braço e entra no carro que está parado junto da calçada.
Heloisa fica olhando o carro partir. Quando o perde de vista, respira profundamente e dando de ombros, entra no hotel. Seu pai encolhido na recepção tem na face a expressão de aborrecimento, olha para o relógio na parede.
- Pensei que havia esquecido de trabalhar. Só pensa em homem, nesse tal de Agamenon.
- Deixe disso, pai! Fui na casa de Tio Joaquim.
- Fazer o que?
- Já comeu alguma coisa?
- Mandei comprar um sanduíche, mas tarde como de verdade. Sabe por anda seu amigo?
- Agamenon?
- Quem poderia ser?
- Foi visitar Andrade.
- Um policial esteve aqui.
- Já sei. Aquele que você acha insuportável.
- Ele mesmo! Você fica no balcão?
- Deixe-me tomar um banho e volto. Pode ser?
- Vá, mas não demore, tenho um compromisso logo mais.
A moça entra em casa, e vai direto para o chuveiro, Tira a roupa, entra embaixo da água, e se deixa molhar com satisfação enquanto pensa no rosto suave e meigo de Agamenon lhe possuindo naquela noite e nas palavras que voltam a sua cabeça.
“Ando na rua sem destino, me sentindo vazio. Vivo esperando uma noticia que me leve até meu filho e sinto que estou deslocado. Você foi a melhor coisa que me aconteceu. Acho que não poderia resistir, o objetivo que me resta é encontrar Luiz, só você para me reconduzir ao bom senso, ter um momento sem aflição”.
Sentindo o corpo ficar todo arrepiado, ela se encolhe com o prazer da lembrança. Assim que sai do chuveiro, troca de roupa rapidamente e volta para a recepção liberando o pai que entra em casa com ar desconfiado. Pega umas fichas de recados para hospedes num pequeno compartimento divido, com os números dos apartamentos ao lado tentando se concentrar no trabalho, mas os sonhos continuam a invadir sua cabeça, se debruça no balcão suspirando. “Agamenon...”
Ela se assusta ao ouvir uma voz grossa com um sotaque estrangeiro ao seu lado.
- Non...! Sou Flinch.
Volta-se num sobressalto, vê um homem gordo muito grande, vestindo uma capa de gabardine muito surrada, segurando uma mala de couro numa das mãos e um sorriso pálido nos lábios. Ele reconhece um velho hospede, pega a chave entregando com um sorriso desconcertado.
Poucos minutos depois, Fausto volta ainda com ar malicioso na face, olha a filha bem de perto faz uma expressão de duvida e pergunta lentamente como quem procura as palavras.
- Minha filha! Você me preocupa! Tem andado muito com o doutor.
- Não tem com que se preocupar! Hoje estive na casa de Tio Joaquim...
- O que você quer com aquele maluco?
- Não é maluco! É advogado e Agamenon vai precisar.
- Ele só sabe inventar coisas malucas. Devia ter estudado outra coisa. Não sei se foi boa idéia fazer dele o advogado do nosso hospede.
Heloisa sorri dando de ombros, Fausto balança a cabeça de um lado para o outro, abre a boca para falar, desiste, dá de ombros e sai com ar de preocupação. Já na porta se volta, sorri para a filha e acena com ar de resignação.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Capítulo 17

Capítulo 17

Sentado numa pequena banqueta, ao lado da mesa da cozinha espaçosa da casa da moça, Agamenon não sentia vontade de falar. Ela notando seu estado depressivo não o incomodou. Depois de ferver a água e despejar nas xícaras, ofereceu uma para o médico que começou a beber com o olhar perdido na toalha muito alva.
- Estou me sentido só! – Ele lamentou.
- Eu compreendo!
- Ando na rua sem destino, me sentindo vazio. Vivo esperando uma noticia que me leve até meu filho e sinto que estou deslocado. Você foi a melhor coisa que me aconteceu. Acho que não poderia resistir, o objetivo que me resta é encontrar Luiz. – Ele sorriu acanhado para Heloisa. - Só você é capaz de me reconduzir ao bom senso, ter um momento sem aflição.
A moça deu um sorriso com expressão de quem está encabulada. Ele continuou falando.
- Tenho pensado em morrer! – vendo o olhar assustado de Heloisa, ele completou imediatamente – Mas, não combina comigo.
- Você precisa respirar. Está se engasgando nas dificuldades como um garoto! Acorde, você é um cientista, um médico, não tem tanto tempo..., real, apenas dias que se afastou de tudo.
- Falar fica fácil! O tempo perdeu o significado. Ao mesmo tempo em que sinto que não faz muito, tudo aconteceu cinqüenta anos antes, parece que estou vivendo aqui a uma eternidade.
Os dois se entreolharam com carinho, ele acariciou os cabelos sedosos de Heloisa e a puxou para si. Ela se aninhou em seu peito por alguns segundos, levantou-se excitada e o puxou para seu quarto que estava na penumbra, os dois se abraçaram.
- Não sinto falta de Dora! Não que a tenha esquecido, mas quando penso nela, parece uma eternidade, a vejo distante, longe, como um passado que já não alcanço nas lembranças. Vejamos o nosso caso, de uma hora para outra, estou a seu lado, intimo, como nunca estive com outra mulher, não sinto facilidade em explicar... – A moça coloca a mão diante dos lábios de Agamenon tentado calar sua voz.
- Não precisa. Viva intensamente!
Os dois se beijam suavemente, ela se afasta dançando uma canção ilusória. Vai se despindo aos poucos com um sorriso malicioso nós lábios, diante do olhar maravilhado do médico.
- Corpo perfeito. Uma espécie de fêmea muito rara. – Ele sussurra ao ouvido da moça.
Os dois gargalham, ela termina de retirar a roupa atirando as peças para os lados enquanto ele se deixa cair na cama para ser despido com muita malicia. Experiência que só lhe foi possível viver ao lado de Heloisa, mais de cinqüenta anos depois de ter nascido e cem anos de relógios contando o tempo real para renascer.
Logo cedo, Heloisa acorda, levanta-se com cuidado, veste um roupão sobre o corpo despido, tudo com muito cuidado para não incomodar Agamenon que parece desmaiado depois de uma noite de amor. Quando adormecera, inquieto, revelara sonhos que o faziam chorar, falar e se virar de um lado para o outro. Depois de escovar os dentes e fazer xixi, correu até a sala pegando a lista telefônica e volta apressada, senta no vaso sanitário do seu banheiro.
Algum tempo depois, Agamenon ainda adormecido, joga o braço para o lado da cama onde encontraria Heloisa. Sentindo sua falta, desperta assustado como se tudo que vivera nos últimos dias fosse um sonho. Esfregando os olhos olha em volta aquele quarto sem muita coisa, atordoado ainda, tenta lembrar onde está, sorri para si mesmo, pensa a principio que está no seu quarto, tudo igual, mas no canto junto da janela, vê um grande cabide com roupas femininas.
Volta a passar os olhos pelo cômodo, nota que a luz do banheiro está acesa com a porta quase totalmente fechada. Pouco depois do ruído da descarga a luz se apaga, a porta se abre e Heloisa sai com os olhos grudados na leitura de um livro grosso que tem nas mãos.
- Oi! Já acordou...? Não foi minha ...
- Não Heloisa, eu acordei, o sono acabou, sem que me incomodasse.
A moça demonstrando muita excitação, foi até a janela puxando acortina para deixar a luz da manhã entrar no quarto, em seguida veio saltitante até a cama, deu um beijo suave nos lábios de Agamenon e mostrou a lista telefônica.
- Acho que parte dos seus problemas pode ser solucionada aqui!
- O que é isso?
- Uma lista telefônica!
- Dessa grossura?
- Encontrei o telefone do Juiz, da casa dele!
- Boa idéia!
- Eu sou assim, cheia de idéias, mas nem sempre funcionam, ainda não encontrei o nome de seu filho.
- Talvez o telefone não esteja no nome dele! Isso é possível?
- Claro! O telefone pode está no nome da mulher dele, de um filho ou de um antigo proprietário. Como é nome da fabrica?
- Mirgore, isso...! Industria de Calçados Mirgore
Ela volta a procurar com mais cuidado passando as folhas com muita lentidão. Depois de algum tempo, fecha a lista com ar de cansaço.
- Não achei! Devem ter trocado o nome ou ela não existe mais.
Pegando um telefone sobre a mesinha ao lado da cama, ela deita e entrega para ele que fica meio embaraçado com os fios.
- Ligue para o juiz! – ela entrega um pedaço de papel higiênico com um numero anotado - O numero e esse.
Ele fica olhando o numero, pega o gancho do telefone e leva ao ouvido e fica calado em silencio esperando alguma coisa. Impaciente Heloisa pergunta se levantando.
- O que foi...?
- Fica fazendo barulho e ninguém fala, a telefonista...
- Não precisa, basta ouvir o sinal continuo e ligar o numero, é automático.
- No meu tempo, eu ficava irritado, demorava muito até a telefonista atender e fazer a ligação.
- - Me dê aqui! Eu ligo!
Ela de maneira gentil retira o telefone das mãos de Agamenon, disca os números. Fica algum tempo em silencio com o olhar perdido no teto, depois diz:
- Bom dia! O juiz Honorato está?
Ela fica ouvindo em silencio um tempo e em seguida pergunta novamente.
- De férias?....Não! .... Entregou pra quem os processos?
Novamente fica um tempo ouvindo e em seguida desliga agradecendo. Se volta para o médico com ar de irritação. Ao ver o seu olhar de curiosidade ela explica a sua conversa.
- Falei com a empregada. O homem se aposentou na quarta feira e viajou hoje cedo. Entregou os processos pendentes para outro Juiz que ela não sabe quem.
- Ainda ontem o porteiro...
- Devia ser um incompetente. Não sabia que o velho havia se aposentado.
Agamenon suspira desanimado. Se revira de um lado para o outro da cama, volta a suspirar, levanta-se ainda despido procurando sua roupa que está jogada no chão. Começa a se vestir quando a moça diz para ele com ar de quem teve uma idéia.
- Vou com você ao fórum e saberemos quem é o Juiz que está com seu processo.
- Preciso me tornar vivo de fato. Talvez isso me facilite no processo que vou responder por pratica ilegal de medicina.
- Acho que Andrade não vai deixar...
- Pode ser! Mas não depende só dele.
- Isso se vê depois! Vá trocar de roupa e volte para o café, eu preparo uma coisa gostosa.
Dando um beijo no rosto da moça, Agamenon sai do apartamento encontrando-se com Fausto na recepção que olha para ele de maneira curiosa, como quem fica sem entender, com malicia. Ele sentindo uma ponta de constrangimento, rosna um bom dia, sobe até o quarto, que ainda está aberto e vai direto para o chuveiro.