sábado, 2 de agosto de 2008

Capítulo Desnecessário

FIM 02

Capítulo desnecessário – O DIA SEGUINTE

Durante duas semanas, o casal andou de um lado para outro em passeios por toda a cidade. Experimentaram a aventura da noite, bares, boates, restaurantes, motéis, centro comerciais, cinemas e novos amigos. Compravam roupas de bebê sempre que passavam por uma loja de artigos infantis.
Resolveram marcar logo o casamento, enquanto Joaquim cuidava da parte legal junto ao conselho de medicina para que Agamenon retornasse a sua profissão. Fausto não cabia em si com a noticia que seria avô, contava para todos que passavam a sua frente.
O dinheiro estava acabando no bolso do médico que preocupado foi aconselhado por Heloisa a ir até o banco ver se havia alguma coisa no cofre onde deixara as jóias e ações que comprara. Para ele, era tempo perdido, deveria ter feito parte do inventário, mas resolveu arriscar.
Uma manhã, depois de muito refletir, vestiu-se decidido, acabaria com qualquer duvida sobre o assunto, ela queria acompanhá-lo, mas ele preferia ir só. Pegou a chave do cofre na sua maleta de mão, colocou no bolso e saiu ansioso.
O prédio do antigo banco havia sido reformado, mas ainda era uma agencia bancaria. Entrou olhando as mudanças a sua volta, maquinas onde pessoas se serviam de dinheiro por todos os lados, um pequeno balcão, uma bateria com dez caixas, sendo que apenas em dois havia atendimento. Foi diretamente até um homem sentado num canto com uma placa sobre a mesa onde se lia “GERENTE”.
- Bom dia!
- Em que posso ajudá-lo – disse o gerente com ares de formalidade.
- Tenho uma caixa forte aqui no banco e gostaria de retirar os pertences depositados.
- O nome do senhor?
- Agamenon Lanufo.
O homem se voltou para um computador ao lado, digitou alguma coisa ficou um tempo esperando e em seguida com expressão de duvida perguntou com o olhar grudado na tela.
- Qual o número de sua caixa forte?
- Um minutinho! - Agamenon pegou a chave no bolso e leu o numero gravado – Está aqui, 20045.
- Correto, cofre antigo! Tem identidade?
- Claro! – Agamenon puxou a carteira de identidade e uma cópia da publicação de sentença no Diário Oficial.
O Gerente parecia assustado, leu varias vezes e dando de ombros fez sinal para que Agamenon o acompanhasse. Entraram por um corredor estreito, desceram uma escada e logo estavam diante de uma porta de aço. Outro homem sentado numa carteira mais a frente se levantou com preguiça e veio atender. O gerente que mandou abrir a porta enquanto Agamenon sentia as pernas fraquejarem.
Durante a manhã inteira, Heloisa parecia não encontrar lugar onde se acomodar, estava excitada com a possibilidade de uma noticia ruim e isso era o suficiente para ficar preocupada com seu homem. Fausto já tentara acalmá-la dizendo que Agamenon poderia trabalhar no hotel enquanto não fosse possível clinicar. Nada a fazia ficar tranqüila, sabia que Agamenon poderia aceitar a oferta de seu pai, mas no fundo não iria sentir-se bem.
Ao ver Agamenon entrar no hotel, correu para ele o abraçando com muita força. Ele sorriu de maneira lacônica. Ela o olhou angustiada implorando noticias.
- Estamos ricos! – Agamenon limpou com as costas da mão uma sujeira invisível sobre a camisa.
- Como assim?
- As jóias estão valendo uma fortuna. As ações que comprei, estão super valorizadas e ainda tenho dinheiro na conta, os dividendos que a empresa depositou todos esses anos em meu nome, já que sou sócio de uma das maiores empresas do país.
- Graças a Deus! Agora você fica mais tranqüilo, pra esperar o conselho de Medicina.
- Vou comprar uma casa...
- Vá com calma, primeiro vamos casar. Depois compra ... casa não, prefiro um apartamento.

Durante dois dias, Joaquim não havia aparecido nem telefonado. Vicente também parecia ter sumido. Agamenon comentou com Fausto que lhe disse que os dois eram assim mesmo. Heloisa vendo que o médico estava preocupado, telefonou para o tio que informou estar muito ocupado e que no dia seguinte teria uma decisão do Conselho de Medicina.
- Passo ai, logo depois do almoço!
A moça desligou o telefone com ar preocupado, se o tio estava fazendo tanto mistério, a coisa devia ser ruim para Agamenon, ela preferiu não comentar nada com ele, deixar que no dia seguinte, o tio fizesse a comunicação. Ela acreditava não valer a pena antecipar a angustia do médico.
Durante toda à noite, ela fritou de um lado para o outro da cama, sem conseguir dormir. Olhava para Agamenon ao seu lado, acariciava a barriga, tentava matar uma muriçoca que cantava incomodativa ao seu ouvido enquanto seus pensamentos corriam de um lado para o outro.
Imaginava os médicos negando o retorno de seu amado ao mundo profissional. De certa forma, ela sentia culpa por ele ter ficado ali, não ter regressado ao seu tempo e por isso pensava a todo instante, “Ele não vai conseguir viver feliz, sem ser médico”.
Naquela manhã, Heloisa acordou angustiada, sentia náuseas e vomitava a todo instante. Tentou esconder o que realmente sentia se desculpando na gravidez. Agamenon saiu logo cedo, como de hábito, para ir até a Biblioteca Publica ficar lendo as publicações recentes de livros e revistas médicas tentando se atualizar. A moça angustiada ficou no hotel impaciente olhando os minutos se arrastarem. Para piorar sua situação, o pai lhe confidenciou em tom de desabafo a situação econômica ruim do hotel.
- Estamos no limite! Se continuar assim, dentro de um ano no Maximo, estaremos fechando as portas. O centro da cidade não suporta mais um hotel desse tipo!
- Tenha calma, papai, vamos encontrar uma solução!
- Já tentei de tudo, não vou transformar esse hotel em uma pousada de rotatividade, alugar quartos para casais por hora.
- Tem de haver uma coisa que se faça para evitar essa situação.
- Tem! A única que posso imaginar! Vender o prédio como fez o pai de Norma com o cinema. Isso... se conseguir quem queira.
Pouco antes das onze horas, o telefone tocou e Fausto atendeu. Depois de falar por algum tempo, desligou se voltando para a filha que arrumava as revistas sobre as mesas na recepção.
- Filha! Joaquim disse para avisar ao Agamenon que vista um terno. Ele passa aqui por volta das duas da tarde. Vão até o Conselho de Medicina.
- Fazer o quê? – Ela perguntou sentindo a voz esmagada na garganta.
- Sei lá! Deve se sobre a decisão.
Assim que Agamenon entrou no hotel, pouco antes do almoço ela mesma deu o recado que seu tio deixara. Agamenon também ficou excitado e quase nem conseguiu comer, mas não poderia se deixar nessa situação, sabia que preferia uma noticia ruim ao desconforto da indecisão.
A angustia de Heloisa só fazia aumentar. Prolongou-se pela tarde inteira já que não sabia o que estava acontecendo. Tentou acompanhar o tio e Agamenon, de maneira insistente, Joaquim não permitiu, assim, só lhe restava ficar aguardando com o coração sobressaltado.
Por volta das sete horas da noite, Agamenon chegou com Joaquim ela respirou aliviada ao ver expressão de satisfação nos dois. Joaquim contou que a decisão do conselho havia sido satisfatória, haviam condicionado o retorno de Agamenon para a profissão, a uma residência de especialização de seis meses, acompanhado por uma junta de três médicos em hospitais diferentes.
Alegres, resolveram comemorar com um jantar em um restaurante a beira mar, onde havia uma pista de dança. Todos pareciam felizes, menos Fausto que preferiu ficar no hotel fazendo a contabilidade. Durante o jantar, Agamenon perguntou o que tanto parecia angustiar o pai da moça.
- Ele está mal com a situação financeira do hotel. Acha que vai ter de vender!
- Tenho pensado algumas coisas e você me dizendo isso, acho que vou conversar com Fausto.
- Posso saber o que tem ai dentro? – Heloisa tentou sorrir dando umas batidinhas com os nós dos dedos, na cabeça do namorado.
- Estive hoje conversando com alguns membros do conselho antes da audiência, eles apontaram para mim uma grande idéia. Uma clínica Geriátrica. Acho que vou me especializar por ai, sempre me pareceu muito interessante.
- E o que isso tem a ver com papai?
- O hotel! Tem uma localização ideal para uma clinica assim, no centro, onde a maioria dos idosos chega facilmente de ônibus, as instalações amplas e...
- Não sei...
- Veja pelo lado bom. Um hotel se parece com um hospital, só que com finalidades diferentes.
- O estacionamento é pequeno!
- Já pensei nisso, tem o sobrado ao lado, está abandonado, caindo aos pedaços.
- Acho que têm uma questão na justiça, herdeiros brigando...
- Isso não vai ser problema pra Joaquim! Ele que resolva.
- Você não vai ter dinheiro...
- Ainda nem comecei e você já está me endividando!
- Quem começou a gastar foi você com essa sua idéia...
- Vamos deixar esse assunto pra depois. Vamos dançar?
Aproveitando uma musica suave que está tocando, Agamenon vai com Heloisa para a pista de dança onde há apenas dois casais dançando, eles se abraçam com paixão, se olham demoradamente enquanto dançam. Uma banda trajada a rigor, parece adivinhar e assim que acabam o que estão executando, inicia uma canção dos anos cinqüenta. Agamenon deita a cabeça no ombro de Heloisa, que o abraça. Os dois rompem em lagrimas continuando a dançar.
As luzes do restaurante se apagam permanecendo apenas o refletor do cento da pista de dança, com uma luz azul muito forte. Uma névoa de fumaça começa a envolver os dançarinos rapidamente e quando quase não se consegue enxergá-los, ouve-se alguém batendo palmas fortes e uma voz silenciando tudo.

- COORTA!

As luzes voltam a serem acesas enquanto as pessoas das mesas começam a levantar sorridentes, se abraçando. Norma sai do meio deles e vem ao encontro do homem que gritou e de longe lhe acena chamando com uma mão levantada e na outra um maço grosso de papel encadernado, que joga sobre uma cadeira de fechar com a palavra DIRETOR escrita no pano de encosto.
- Roteirista...! – Ele sorriu ao ver Norma bem próxima. – Parabéns mocinha!

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Capítulo 32

Outro final
Capitulo 32

Heloisa, em seu quarto parecia ter perdido a vontade de mexer o corpo. As lagrimas que corriam pela face já começavam a estancar embora seu coração disparasse com qualquer ruído. Havia descido para seu quarto logo depois que Agamenon partiu. Seu pai a obrigara a ir para casa depois que recusou a possibilidade de permitir que a moça ficasse na recepção. Ele, muito gripado, tossia e espirrava muito, mas não queria expor a filha ao contato do publico sabendo que ela estava muito mal com a perda da paixão.
Sentindo que a febre o atormentava demais, Fausto olhava o telefone pensando e chamar Heloisa para ficar um pouco no seu lugar enquanto tomava algum remédio, mas logo a idéia desaprecia de sua cabeça. O corpo parecia ter levado uma surra. Finalmente sem conseguir resistir, ligou para ela no final da tarde.
Heloisa chegou ainda com o rosto inchado da lagrimas que derramou. Lentamente ela se aproxima do balcão da recepção onde Fausto com aspecto cansado, coçando o nariz irritado, sorri.
- Vai deitar, pai! Gripe se cura com repouso.
- Tem remédio no armário da cozinha?
- Tem! Pode ficar descansado, estou melhor.
Fausto se afasta com um olhar desconfiado na direção da filha, dá de ombros entrando no apartamento. Heloisa começa a pegar alguns papeis que estão desarrumados numa prateleira abaixo do balcão. Seus pensamentos superam o que está diante dos olhos e se perdem rapidamente. Ela suspira voltando a chorar com a lembrança que vem muito intensa.
“Ah! Agamenon...!”.
Deita a cabeça sobre os braços cruzados acima do balcão e mais uma vez suspira profundamente, “Ah! Agamenon, Agamenon...!”.
- Estou aqui! – Uma voz ao lado de Heloisa estremece seu coração, assustada ela se volta pensando ter sonhado de olhos abertos.
- Agamenon? Estou ficando louca, só pode...
- Não consegui deixar você pra traz!
Ela sai apressada de trás do balcão se atirando nos braços abertos do homem, que já não acreditava mais encontrar. Os dois se olham em silencio por um bom tempo, se acariciam com ternura e se beijam com paixão. Joaquim entra no hotel se deparando com o casal que parece ignorar onde estão.
- Meninos olhem o respeito!
Lentamente eles se separam, ainda se olhando com muito amor. Um hospede entra no hotel apressado, pedindo a chave do quarto, a moça enxuga com as mãos as lagrimas que voltam a rolar na face, volta para o balcão pega a chave entregando sem conseguir desviar o olhar do rosto de Agamenon.
- Moça, meu quarto é 304! – O hospede fala irritado olhando as chaves em sua mão.
- Me desculpe! – Heloisa sacode a cabeça, olha o escaninho das chaves, pega a que tem a placa 304 entregando para o homem que devolve a outra.
Joaquim solta uma gargalhada se aproximando dos dois e beija delicadamente a face de Heloisa e pergunta enquanto lhe acaricia o cabelo.
- Onde está seu pai?
- No quarto, com febre, gripe.
Joaquim dá uma tapinha no ombro de Agamenon, outro beijo em Heloisa e vai para o apartamento do cunhado. Assim que ele desaparece fechando a porta, a moça se volta para o médico com o olhar interrogativo.
- O que aconteceu?
- Estava dividido. Se por um lado queria voltar para me vingar, fazer meu irmão e minha mulher pagarem pela traição, retomar minha vida profissional e saborear a carreira de meu filho, por outro, queria os seus braços, seu olhar, seu amor. Na hora que entrei na esfera, não sabia mais se o desejo de voltar ainda valia a pena, só possuía a certeza que estava perdendo a mulher mais maravilhosa que poderia encontrar. O tempo que passei sentado ali dentro, sabendo que ainda poderia recuar da minha decisão, foi decisivo. Depois que vi pela abertura o laboratório ainda funcionando, soube que estava de volta em 1951, mas minha cabeça e meu coração estava no futuro. Teria de abrir a esfera e pular rapidamente para fora, me mantive quieto e retornei para seus braços.
- Vicente ficou frustrado?
- Um pouco, mas se contentou com minha informação que a experiência havia dado certo. Ele não poderá repetir suas anotações, projetos e informações, se perderam no incêndio do galpão, mas no intimo se sente vitorioso. Disse-me que não se importa muito quanto a divulgação do fato, e sim a certeza que sua teoria sempre esteve correta.
- Suba até seu quarto, tome um banho, descanse e me aguarde, tenho de esperar o rapaz que fica na portaria.
- Estarei esperando ansioso! – Agamenon sorri com malicia.
- Ainda tenho uma coisa seria para conversar com o senhor.
Ele tenta fazer com ela antecipe o assunto, ela dá um soco no peito dele e aponta para a escada com ares autoritários. Ele passa seus dedos suavemente nos cabelos da amada, a beija rapidamente e sobe as escadas com muita disposição, sentindo o vigor de um jovem.
Sem pressa, saboreando a água, Agamenon se demora no banho, faz a barba, deita na cama, enrolado apenas na toalha, liga a televisão apenas para ouvir ruído, se permite cochilar de olhos abertos. Pela primeira vez nos últimos dias, sua cabeça parece leve, sem qualquer remorso, preocupação ou dor.
Acorda algum tempo depois com Heloisa sobre seu corpo, completamente despida, se amam com muita intensidade. Depois que chegam ao prazer, ficam abraçados em silencio um escutando a respiração do outro. Heloisa acende a luz ao lado da cama, aproxima o rosto do de Agamenon o beija e fala sussurrando ao seu ouvido.
- Estou grávida!
- Tem certeza? – Agamenon dá um pulo sentando-se na cama – Tem certeza?
- Tenho! Você vai ser papai.
O rosto do médico se ilumina, ele fica sem saber onde colocar a mão no corpo dela que se espreguiça suavemente de maneira sensual. O futuro agora seria o seu maior presente, o amor ultrapassara todos os limites do raciocínio lógico. Agora sabia, o amor é um grande sonho para ser vivido intensamente sem que o passado seja um risco.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Capítulo 31

Capítulo 31

Finalmente, quinze dias depois, tudo estava pronto, Vicente perdera os cálculos, mas o rascunho que estava de posse de Joaquim o orientou. Rapidamente fez algumas projeções e mesmo sem a precisão que esperavam anteriormente, decidiram que não havia mais o que fazer. Combinaram esperar o tempo melhorar, estava chovendo muito e não havia mais pressa.
Foram apenas dois dias de espera e logo o céu parecia ansioso para ver o que aconteceria, o sol se manifestou favorável e as noites eram estreladas. No dia combinado, Agamenon vestiu o terno quer usava quando voltava pra casa, pegou sua maleta de mão, deu um grande beijo em Heloisa. Com os olhos cheios de lagrimas, ele falou ao ouvido da moça.
- Venha comigo! Sei que caberá nos dois na esfera.
- Não posso...! – Ela falava entre soluços – Você sabe o que tem passado, suas angustias, seus medos, esse mundo o incomoda. Para mim, seria ainda pior, estaria completamente na sua dependência.
- Podemos encontrar a felicidade...
- Já encontramos, mas suas razões o impedem de continuar nela! Se eu fosse com você, o mundo estranho seria para mim, não teria nada além de você. Com o tempo, o sufocaria e me sentiria prisioneira. Um dia, poderia cobrar de você as minhas ansiedades, saudades e frustrações.
- Então! Pelo menos me acompanhe até o momento final.
- Seria masoquismo. Prefiro guardar você aqui dentro de mim. Ter no meu coração a ilusão que voltaremos a nos encontrar. Se estivesse presente quando você desaparecer de uma vez por todas, acho que morreria. Prefiro continuar vivendo.
Eles se beijam mais uma vez por alguns segundos, ela delicadamente o empurra para fora do quarto e quando fecha a porta, se joga na cama, pega o lençol e o travesseiro onde ele deitara a cabeça, cheira, beija enfiando o rosto entre as mãos tentando conter as lágrimas silenciosas que brotam em abundancia dos seus olhos.
Vacilante e meio atordoado, Agamenon desceu para a recepção onde Joaquim já o aguardava. Despediu-se de Fausto saindo com o Advogado que o conduzia lentamente, segurando-o pelo braço, fazendo dele um cego que não sabe o caminho. Na porta viu Andrade que acenava ao lado de uma caminhonete.
- Bom dia doutor! Eles me convenceram a dar uma ajuda! Consegui essa caminhonete lá na delegacia. Vão na frente, não sei o caminho.
Agamenon entrou no carro de Joaquim com a sensação de quem vai para a câmera de gás ou cadeira elétrica. Assim que deram partida, ele se voltou para contemplar a imagem do hotel que aos poucos desaparecia entre outros prédios.
Ao chegarem no local onde deveriam instalar os acumuladores, não perderam tempo, Joaquim, Agamenon e Andrade, não encontraram muita dificuldade para descarregar o material, Vicente que estava encolhido no assento do carro de Joaquim, saltou com preguiça olhando os últimos detalhes de suas anotações numa prancheta. Aproximou-se dos acumuladores, com uma chave de fenda, fez uns ajustes.
- Ainda bem que estamos longe dos olhares curiosos! – disse Joaquim com ar pensativo olhando em volta.
- Só falta testar a carga! – Disse Vicente com ar de triunfo.
- Pega esse aparelho ai junto do carro. – Gritou Joaquim para Andrade que estava fumando junto da caminhonete.
Agamenon observava tudo com ar desconsolado, As duvidas em sua cabeça ainda eram intensas. Seu coração pedia para desistir de tudo e ficar com a paixão de Heloisa, sua razão o empurrava de volta ao seu tempo. Quando o chamaram para entrar na esfera, ele quase não consegue sair do lugar. Vicente se aproximou.
- Só depende de você! Os riscos que corre são por sua conta. Se quiser continuar, estamos prontos.
- Vamos lá! – disse de maneira decidida Agamenon que suspirou profundamente antes de entrar e se acomodar na esfera.
Mais uma vez, todos apertaram sua mão se despedindo e quando Andrade que fora o ultimo ia se afastando e Joaquim fechava a esfera, Vicente fez um sinal com a mão e gritou com a voz tremida de emoção.
- Não esqueça, tem de sair da esfera logo. Tem dois minutos!
Agamenon sorriu acanhado acenando um adeus, Joaquim fechou a esfera. Vicente respirou profundamente, acendeu um cigarro e disse olhando para os outros.
- Também nós, só vamos ter dois minutos para nos afastarmos da área de ação do campo magnético.
Ele se abaixou e começou a girar os interruptores dos acumuladores e quando viu que estava no ponto, apertou um botão vermelho em uma caixa ao lado, se afastando rapidamente para onde os outros estavam. Em poucos segundos, pequenos raios pareciam se cruzar sobre os acumuladores que trepidavam. Os olhos de todos pareciam grudados na esfera, aos poucos uma grande onda de luz partiu dos bornes dos equipamentos em direção ao ponto onde estava Agamenon.
Diante de todos, a esfera desapareceu por algum tempo, Vicente segurava o peito arfando com o cigarro preso nos lábios, Joaquim com os olhos arregalados cuspia para o lado o tempo inteiro e Andrade se deixou cair sentado no chão com a boca aberta.
Durante os poucos minutos de espera, todos sentiam que parecia uma eternidade até que a esfera começou a se materializar novamente no mesmo local de onde desaparecera. Eles se olharam apreensivos e Andrade perguntou com ansiedade.
- Ele foi?
Vicente deu de ombros, Joaquim sorriu olhando para os lados, faz uma expressão de duvida para Andrade que se apressa em aproximar-se. Vicente, com a cabeça, indica a esfera. Arregalando os olhos, dá de ombros se encaminhando lentamente em direção a esfera como quem tem medo do que vai encontrar.
Todos sabiam que não seria possível garantir qualquer coisa, no entanto a decisão havia sido de Agamenon, a sorte estava lançada.
FIM 01 - Se quiser, continue lendo, amanhã poderá ter um outro final.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Capítulo 30

Capítulo 30

Pela manhã, antes mesmo de Agamenon ter acordado, Joaquim estava no hotel para buscá-lo, queria ir até a casa de Vicente. Na portaria, Fausto ainda com cara de sono começava a arrumar a portaria quando viu o cunhado entrar esbaforido.
- Bom dia Fausto!
- Bom dia! O que faz aqui tão cedo?
- Não viu na televisão?
- Estava ocupado e não vi TV ontem.
- O laboratório de Vicente pegou fogo!
- Ele...?
- Graças aos senhores da providencia, não se queimou nem nada. – Fazendo uma expressão de duvida, acrescentou sorrindo - Não foi dessa vez que aquele velho maluco virou churrasco, quase morre do coração.
- Deixe de brincadeira com uma coisa assim! – Disse Fausto com indignação.
- Ligue pro quarto de Agamenon, preciso dele com urgência!
Assim que o medico chegou, Joaquim o arrastou para a rua e partiu com o carro na direção da casa de Vicente. Agamenon quando saltou do carro, viu Vicente sentado numa cadeira de balanço na varanda da casa, estava envolto numa manta bebendo café numa caneca grande. Quando Joaquim se aproximou, Agamenon comentou.
- Parece que o mundo acabou pra ele!
Joaquim deu de ombros, segurou o médico pelo braço e o conduziu para encontrar o amigo que sorriu ao vê-los, levantando-se lentamente, depois de colocar a caneca sobre uma mesa ao lado. Ao abraçar Agamenon, ele chorou.
- Não sei..., está tudo acabado!
- O que é isso? – perguntou Joaquim com ar de duvida – Você tem o melhor computador do mundo, sua cabeça.
- Os riscos são grandes! – Disse Vicente olhando para o médico com ar de quem se desculpa.
- Tenho aquele rascunho que me deu pra conferir e acho que ele vai servir. – Joaquim retirou do bolso o papel que recebera de Vicente.
- Nem tudo estava ali! Não será dessa vez que provarei minha teoria.
- Antes de acreditar que o mundo acabou, vamos ver o que podemos fazer! – Exclamou Joaquim olhando com firmeza para o amigo.
- Sei que me resta pouco tempo. Estou velho! – Vicente falava com o olhar no chão – Não faço questão de gloria, apenas queria ver minha teoria comprovada, era a razão da minha vida.
- Então! Vamos tentar? – Disse Agamenon sem muita certeza do que estava falando.
- Agamenon, você pode..., nem sei! Se errar um ângulo, me enganar na distancia... Você pode chegar antes de ter sumido, vai ser uma confusão que nem consigo imaginar. Dois ocupando o mesmo lugar, ou... Não posso antecipar os resultados funestos, não os imagino de verdade, não os conheço.
Agamenon viu a face de Vicente preocupada, olhou para Joaquim em busca de socorro.
- Joaquim...!
- Vicente! Se ele está disposto a correr os riscos, vamos tentar! Pra você, a importância de tudo isso é a satisfação de dormir todos os dias sabendo que estava certo o tempo inteiro, pra mim é a curiosidade e pra Agamenon, a esperança de retomar sua vida normal.
- Acho melhor pensar um pouco, ter cautela! – Vicente falou com um tremor na voz que quase o engasgou.
Vendo que todos estavam se envolvendo com seu problema, cada um por seus motivos, Agamenon não podia deixar de ser agradecido por tudo que estavam fazendo, havia em seu coração o sentimento de divida, obrigação em continuar. Percebia que Vicente estava se entregando ao desanimo, abraçou Joaquim estendendo a mão para o Físico.
- Eu me arrisco! – disse o médico com firmeza, embora lembrasse ainda da conversa que tivera com Fausto sobre aquela experiência maluca.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Capítulo 29

Capítulo 29

No final da tarde, chegaram ao hotel. Heloisa ainda muito calada ficou na recepção olhando em volta como quem não sabe para onde ir. O rapaz que trabalhava pela noite estava por trás do balcão. Agamenon pediu a chave do seu quarto e quando recebeu perguntou curioso.
- Fausto...?
- No quarto dele! – disse o rapaz com ar sonolento.
Heloisa deu um longo suspiro, segurou a mão de Agamenon e o arrastou apressada para subir as escadas. O rapaz olhou o casal com um sorriso malicioso.
Heloisa completamente despida foi acordada com o ruído do telefone do quarto, olhou para o lado vendo Agamenon, também despido se mexia com preguiça. Estendeu o braço pegando o fone.
- Alô!...O quê...? Está certo tio!
- Quem foi? – Perguntou o médico ainda sonolento.
- Tio Joaquim parecia agoniado, mandou ligar a televisão no noticiário do canal seis. – Pegando o controle remoto sobre a mesa ao lado da cama, a moça ligou a televisão.
Agamenon se recostou na cabeceira da cama com os olhos grudados no vídeo que mostrava uma casa em chamas e os bombeiros tentando apagar o fogo. Ao reconhecer o local ele sacudiu a cabeça de um lado para o outro como quem não acredita no que está diante dos olhos.
- O galpão de Vicente! – murmurou entre os dentes.
- Vamos ligar de volta pra tio Joaquim?
- Vamos!
A moça pegou o telefone e fez a ligação, assim que atenderam do outro lado da linha ela passou o fone para ele que foi logo perguntando.
- O galpão de Vicente pegou fogo?
- Mas ele está bem! – disse Joaquim do outro lado da linha. – Adormeceu fumando e o cigarro caiu no cesto de lixo onde havíamos jogado as estopas sujas de lubrificante.
- Ele está ferido?
- Não. Acordou bem a tempo. Saiu correndo para chamar os bombeiros, seu coração quase o mata novamente e foi Lucia quem telefonou. Depois ele mesmo nos conta os detalhes. Ainda bem que os acumuladores estavam na garagem, só perdemos os cálculos e a esfera.
Desligando o aparelho, Agamenon olhou para o teto do quarto com o olhar perdido. Heloisa deitou sobre suas pernas e ele acariciou seus cabelos.
- Vamos esquecer essa coisa toda, pelo menos por hoje? – Perguntou Heloisa, angustiada.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Capítulo 28

Capítulo 28

Ao retornar para o hotel, Agamenon senta na recepção com esperança de ver Heloisa, seu coração palpita toda vez que uma mulher passa pela porta ou o telefone toca. Enquanto espera, lê os jornais e revistas que estão a disposição dos hospedes. Pouco depois de nove e meia, Fausto olha para ele com curiosidade e o médico aproveita a deixa.
- Heloisa...?
- Se tiver esperança dela aparecer, esqueça!
Desanimado, ele sobe para o quarto, toma um banho, senta em frente da televisão desligada e fica pensativo diante da sua imagem refletida no vídeo.
“Acho que ela tem razão! Não posso machucar uma pessoa que entrou na minha vida e me encantou. Por outro lado, preciso voltar para meu tempo real, isso aqui é estranho, não consigo me sentir em casa. Claro que existe a possibilidade de tudo dar errado, posso até morrer. Também poderia ficar, começar tudo novamente, freqüentar a universidade algum tempo, me atualizar. Isso tudo é pesadelo, preciso acordar, sentir pela manhã o cheiro de café saindo do coador, no fim da tarde o sino da igreja anunciando a hora da missa... Não sei, estou muito confuso!”.
Sabendo que não vai conseguir dormir de tanta ansiedade e excitação, pega na maleta o frasco de remédio para dormir, toma mais um comprimido, troca de roupa, deita na cama, liga a televisão.
Durante o resto da semana, ele e Joaquim se ocupavam em preparar tudo que precisavam para a sua volta no tempo enquanto Vicente, ainda muito debilitado, dava instruções e se ocupava dos cálculos diante do computador. De acordo com o projeto feito pelo Físico, cortaram uma janela de mais ou menos uns cinqüenta centímetros e instalaram um suporte isolado com borracha que servia de pé ao sinalizador. O médico experimentou para ver se cabia na bola, com relativo conforto Todos riram muito com a dificuldade que ele encontrou para sair. Joaquim sempre muito espirituoso não perdeu a oportunidade.
- Treina direitinho, caso contrário, vai virar bola de jogo de futebol.
Toda a operação já estava preste a ser concluída, quando Vicente lembrou que deveriam lubrificar os contatos dos acumuladores. Com muito esforço devido ao peso do equipamento, Joaquim e Agamenon, começaram a desmontar a cobertura que protegia o acumulador. Como o espaço era muito apertado, resolveram que ficariam mais confortáveis na garagem.
- Não dá pra carregar. Vamos colocar ali! – Disse Agamenon apontando para um carrinho de mão.
Depois de muito sacrifício, conseguiram levar os dois acumuladores para a garagem onde trabalharam o restante do dia lixando contatos elétricos, borrifando lubrificantes e apertando parafusos. Pouco antes das cinco e meia da tarde, Joaquim olhou para o relógio e exclamou com expressão de preocupação.
- Vamos embora! Amanhã terminamos.
- Vou tomar um banho!
- Não dá tempo, combinei com Clara que iríamos ao concerto da Sinfônica. Toma banho no hotel!
Sem perder mais tempo, cobriram os equipamentos com uma lona, pegaram pedaços de estopas para limpar as mãos e foram se despedir de Vicente que trabalhava freneticamente nos cálculos diante do computador.
- Vamos indo! – Gritou Joaquim, da porta do galpão.
- Venham cá! Não vai demorar. Tenho Feito exaustivamente esse calculo e não combina. – disse Vicente acenando para os dois chamando para se aproximarem. Quando eles chegaram, ele olhou com ar de cansaço para Joaquim - Vou imprimir uma cópia e você dá uma olhada, amanhã terá tempo de sobra, não vamos trabalhar, Lucia disse que vai fazer uma faxina.
Sem perder tempo, imprimiu uma cópia do que queria e entregou para Joaquim que ainda estava com o pedaço de estopa na mão. Vicente estendeu a mão tomando-a de sua mão, jogou displicente num cesto de lixo que estava cheio de papeis amassados e pontas de cigarro. Agamenon acabou de limpar suas mãos, jogando a sua estopa no mesmo cesto de lixo e juntos saíram do galpão. Na porta, Vicente deu uma tapinha no ombro do médico.
- Vamos descansar amanhã e logo depois faremos a ultima simulação e só faltará determinar o dia exato da experiência final. Será seu grande... não! Nosso grande dia! Ainda vou fazer umas anotações e depois vou descansar. Desapareçam!
No caminho de volta pra casa, Joaquim parecia preocupado. Ligou o rádio do carro abriu e fechou os vidros varias vezes, parecia realmente inquieto e despertou a atenção do médico que perguntou curioso.
- Algum problema?
- Vários! Primeiro preciso pensar como vamos transportar o equipamento, depois, encontrar alguém de confiança para nos ajudar. Só nós dois, não vamos conseguir fazer tudo.
- Se me ocorrer alguma idéia, telefono!
- Também estou preocupado com Vicente!
- Está cansado e ainda não se recuperou totalmente!
- Isso mesmo! Já o peguei dormindo na cadeira duas vezes.
- Isso é natural! Os remédios provocam sonolência.
- Espero que realmente, descanse amanhã!
Agamenon se assusta quando ouve um telefone tocar. Olha para os lados sem entender muito bem de onde vem o ruído. Joaquim retira do bolso um pequeno aparelho e atende.
- Sei...Estamos indo!
Desligando o aparelho, Joaquim acelera o carro. Agamenon vê a expressão angustiada do advogado e pergunta.
- Alguma coisa errada?
- Minha irmã... Ela morreu! Fausto acabou de ligar do hospital.
O enterro foi no dia seguinte pela manhã. Uma chuva fina caia como se o céu chorasse junto com Joaquim, Fausto e Heloisa que se abraçavam a todo instante sob guarda-chuvas negros e grandes. Acabando o sepultamento, Agamenon se aproximou de Heloisa, estava com muita saudade da moça e sentia uma dor no fundo do coração a cada olhada dela em sua direção.
Não foi necessário dizer qualquer coisa, ele se atirou em seus braços soluçando. Ele a abraçou com carinho sentindo seus olhos fraquejarem com lagrimas que suavemente escorriam pela face. Inesperadamente, Fausto se aproximou dos dois e com a voz embargada por um choro contido, disse em tom de súplica para o médico.
- Leve ela daqui! Pelo amor de Deus, leve ela com você para algum lugar longe daqui.
Joaquim se aproximou abraçando Fausto e em seguida olhou para Agamenon com um sorriso triste na face.
- Vá andar pela praia. Deixe o barulho do mar esconder o choro dessa menina!
Sem perder tempo, Agamenon segurou a mão de Heloisa e a puxou pra o lado de fora do cemitério fazendo sinal para um táxi. Ele não sabia ao certo para onde ir, mas olhou o motorista que aguardava o endereço.
- Para uma praia perto..., onde seja possível caminhar muito!
Durante o percurso, Heloisa se encolheu no peito do médico que acariciou seus cabelos sentindo uma angustio imensa e sem saber o que dizer. O motorista estacionou a beira mar. O médico pagou a corrida e saltou com Heloisa que parecia alheia ao local onde estava. O mar estava calmo, a chuva havia cessado mais o tempo muito nublado, escondia o sol.
Os dois retiram os sapatos e caminharam de mãos dadas em silencio por um bom tempo pela praia deserta. Demonstrando cansaço, Heloisa jogou os sapatos no chão sentando-se com o olhar perdido no horizonte. Agamenon não ousou interromper os pensamentos dela, sentou-se ao seu lado se perdendo em seus pensamentos conflitantes. Queria ir embora, retomar seu verdadeiro mundo, ao mesmo tempo, seu coração lhe dizia pra ficar com aquela que lhe acendeu uma fogueira no peito.
Quase meia hora depois, Heloisa deu uma gargalhada nervosa, se jogou novamente nos braços do médico que a envolveu carinhosamente.
- Vamos voltar! Preciso de você e do seu carinho. Não vou sofrer mais, apenas viver. A morte me mostrou que tenho de viver intensamente o que me resta. Se você vai embora, o que vivemos juntos vai ficar. Minha mãe foi embora, mais meu amor por ela, ficou comigo.
- Primeiro vamos almoçar. Vi um restaurante logo ali! – Agamenon apontou para o local por onde haviam passado alguns minutos antes.
A moça deu de ombros e se deixou acariciar mais um pouco. Ele levantou-se sacudindo a areia dos fundilhos, estendeu a mão para ela e juntos voltaram caminhando abraçados pela beira da praia, vez por outra tendo os pés lambidos por uma onda mais afoita.

domingo, 27 de julho de 2008

Capítulo 27

Capítulo 27

Durante o resto do dia, a chuva caiu sobre a cidade e só amenizou pela madrugada. Agamenon com insônia andava no quarto de um lado para o outro olhando o relógio com ansiedade. Cansado, depois das três horas da manhã, sentou-se na poltrona ao lado da janela e se deixou contemplar o céu escuro e ouvir o ruído da chuva no vidro da janela. Adormeceu sem notar.
Em sua mente começou a se formar imagens soltas, ele se viu de volta a faculdade, todos os colegas jovens pareciam gargalhar dele, o apontavam, e cochichavam com expressões maliciosas. Repentinamente, via Dora despedida correndo no meio da rua ao encontro de seu irmão Arquimedes que a beijava ao encontrá-la.
Um enterro estranho, onde as pessoas carregavam o caixão na cabeça, passava pelos dois e vinha em sua direção. A tampa do ataúde se abria e Hermes com cara de menino pulava pra fora e saia para o lado, correndo, apontando em sua direção. Um carro passava veloz o jogando para o alto, ele flutuava subindo muito e quando começou a cair ouviu seu nome sendo dito com carinho algumas vezes. Viu o roso de Heloisa ao seu lado se desmanchando, ela parecia sofrer. Acordou dando um pulo da poltrona se batendo de encontro à parede.
Não conseguiu mais se tranqüilizar seu coração batia muito acelerado. Assim que amanheceu, tomou um banho demorado e desceu até a rua para esperar Joaquim, na passagem pela portaria, olhou para Fausto que fez um sinal negativo com a cabeça. Ainda chovia, ele recostou-se na porta olhando a rua que começava a ter algum movimento. Quando viu o carro do advogado, teve um sobressalto se engasgando, tossiu um pouco procurando respirar profundamente.
Assim que Agamenon entrou e apertou sua mão, Joaquim, foi logo pegando um envelope contendo algumas folhas de papel, que estava sobre o assento do carro, entregando para o médico.
- Pronto, já é um homem vivo novamente! O desgraçado queria pedir teste de DNA.
- Teste de DNA?
- Me esqueci que na sua época, isso era uma fantasia. Hoje se faz com a maior facilidade. Pega um pedaço de você e outro de um filho, pai ou mãe e... pronto. O laboratório entrega o resultado em pouco mais de vinte dias. Mas não será necessário se preocupar com isso. A sentença deverá ser publicada no Diário Oficial, na próxima semana.
Enquanto dirigia, Joaquim se divertia vendo a expressão do médico lendo a sentença que parecia queimar em suas mãos. Quando finalmente Agamenon guardou os papeis de volta no envelope ele explicou o que significava aquela sentença.
- O juiz dá parecer sobre o processo, faz os comentários. Daí por diante, o processo é concluído quando chega a publicação do Tribunal fazendo o reconhecimento na sentença final. De posse dessa publicação, você pode requerer junto aos órgãos que lhe forem convenientes a sua integração. No seu caso, se fosse ficar por aqui, seria o documento que o habilitaria perante o conselho de medicina.
- Tanto tempo perdido! Exclama o médico olhando o envelope em suas mãos.
- Nada disso! O tempo não se perde, nós é que podemos perdê-lo. Nesse caso, foi para mim, uma questão de satisfação.
- Tenho que pagar...
- Conversamos depois sobre isso!
- Preciso ler alguma coisa sobre o teste de DNA!
- Acho melhor esquecer!
Agamenon maneia a cabeça com ar de duvida. Os dois permanecem calados até a chegada ao sitio de Vicente que os recebe na varanda com ar um pouco abatido. Depois de confirmar que se sente bem, pega uma maleta e entra no carro. Prosseguem a viajem conversando sobre os detalhes da medição. Enquanto a chuva começa a cessar lentamente.